São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Líder do MST considera Covas aliado dos sem-terra

DA REPORTAGEM LOCAL

José Rainha Júnior, líder foragido dos sem-terra no Pontal do Paranapanema (extremo oeste do Estado de São Paulo), disse ontem que vê o governador Mário Covas (PSDB) como um parceiro na luta pela reforma agrária.
"O governo do Estado é um aliado do movimento sem-terra. O nosso inimigo é o latifundiário", afirmou Rainha, em entrevista exclusiva dada, em São Paulo, à emissora de rádio CBN e à revista "Istoé". A entrevista, feita no último sábado, teve uma hora de duração e foi divulgada na manhã de ontem pela CBN.
O dirigente nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que teve a prisão preventiva decretada em 25 de janeiro último (assim como outros cinco integrantes do MST), ressalvou que "o Estado não fez o que tinha de fazer". "Assentamento é lote definitivo. Aquilo que está lá uma favela rural", disse.
Segundo ele, o secretário de Justiça, Belisário dos Santos Jr., que executa o plano de reforma agrária do governo, errou ao optar pela via jurídica para obter as fazendas. "Em 14 anos de luta, eu nunca vi o latifúndio perder causa na Justiça."
Rainha citou o caso de três fazendeiros do Pontal obtiveram liminar cassando o direito de o Estado assentar, em lotes provisórios, os sem-terra em 30% das áreas de suas fazendas. As fazendas ocupam terras consideradas públicas pela Justiça.
O líder dos sem-terra atacou também só a entrega de lotes. "Reforma agrária não é meramente distribuir terra, não se restringe ao homem da enxada. Você tem de levar as indústrias para o campo. Isso vai gerar empregos para todos os setores da sociedade."
Mesmo na clandestinidade, ele voltou a defender a ocupação de terras no Pontal. "A luta lá se diferencia do resto país. Lá as terras são públicas. Já existe sentença judicial nesse sentido. É mais do que justo ocupara a terra", afirmou.
Embora tenha se declarado petista e defendido o socialismo ("o capitalismo não oferece uma página que eu possa por consciência defendê-lo"), Rainha disse que a reforma agrária que o movimento propõe no Brasil está dentro da ordem capitalista.
"Isso o que eu estou dizendo não influi na mudança de regime. Democratizar a propriedade da terra é fazer desenvolvimento econômico. Não estamos discutindo o sistema", declarou.
Justiça
Rainha -que no final do ano passado ficou foragido por 17 dias, também com prisão preventiva decretada- anunciou durante a entrevista de ontem que não pretende, em hipótese alguma, se entregar à polícia.
"Estou consciente de que é uma prisão política, uma arbitrariedade. Não matei ninguém, não roubei, não trafiquei, não fumei maconha, não cometi crime de colarinho branco", afirmou na entrevista.
Segundo ele, que diz se sentir como estivesse "no exílio", o crime que cometeu foi "lutar para conquistar um direito constitucional, a desapropriação de terra improdutiva".
O delegado de Sandovalina (SP), Marco Antonio Fogolin, também foi alvo de críticas por parte do líder sem-terra. "Fiquei revoltado com a proposta que ele fez. Foi uma desmoralização para ele e para Poder Judiciário."
Rainha estava se referindo à proposta -feita pelo delegado Fogolin a advogado do MST- de soltar os quatro coordenadores do MST em troca da entrega de Rainha. O caso está sendo investigado pelo governo estadual.
O dirigente voltou a criticar "o modelo neoliberal" do presidente Fernando Henrique Cardoso: "A inflação vai subir, se o governo não aplicar na geração de emprego e riqueza. Gerar emprego hoje é produzir. A produção está caindo no campo e na cidade".

Texto Anterior: Morte de Rubens Paiva é reconhecida após 25 anos
Próximo Texto: Fazendeiros perdem no STJ
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.