São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
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Juros já podem baixar sem riscos

MAURÍCIO SCHULMAN

Na discussão sobre juros no Brasil é imprescindível distinguir os juros primários da economia, que é a remuneração que o governo paga pelos recursos que lhe são emprestados, daqueles cobrados pelo sistema financeiro das pessoas e das empresas nas operações de crédito.
Os juros primários, que afetam diretamente as contas do governo, vêm sendo administrados com cautela e apresentaram tendência contínua de queda em 95. As autoridades têm mostrado extremo cuidado na administração dessas taxas, mantendo-as positivas em função do papel que exercem na atração dos recursos externos.
Para as empresas e os consumidores, no entanto, tivemos em 1995 um aumento artificial e extremamente brusco das taxas de juros, com a criação de depósitos compulsórios sobre depósitos à vista, a prazo e empréstimos, retirando R$ 53 bilhões do sistema financeiro, a elevação de tributos como IOC para 18% ao ano e o encurtamento do prazo das operações. Até meados de 95 essa política monetária altamente restritiva mostrou-se acertada para conter o crescimento do consumo que ameaçava o processo de estabilização econômica.
Nos últimos meses as autoridades já perceberam que podem acelerar a redução das taxas de juros sem correr riscos de desestimular os investidores estrangeiros e aplicar recursos no país ou provocar aumento de consumo capaz de comprometer a estabilização.
O processo de redução das taxas de juros para empresas e consumidores exige redução da carga tributária e dos depósitos compulsórios, que representam 37% das taxas reais de juros pagas pelos tomadores, e maior desregulamentação do sistema financeiro, para que possa funcionar em condições similares aos dos países de economia estável. Sem essas mudanças os custos e as condições dos empréstimos e financiamentos no país continuarão comprometendo a competitividade das empresas e encarecendo o chamado "custo Brasil".
A economia e o sistema bancário registram atualmente o mais elevado nível de inadimplência dos últimos 30 anos, fator que também afeta fortemente as taxas de juros, pois eleva riscos e custos embutidos no preço do dinheiro. As taxas praticadas ao longo de 95 inviabilizaram um número considerável de empresas de todos os portes, com forte impacto no nível de emprego.
O que se propõe para a recuperação das empresas inadimplentes que apresentam condições operacionais competitivas é um programa que permita consolidar suas dívidas, alongar prazos e reduzir as taxas de juros que estão pagando, num processo amplo de renegociação, com mecanismos que evitem expansão monetária.
Acreditamos que essa é a melhor opção de recuperação da capacidade produtiva dessas empresas e de aumento do nível de emprego em todo o país.
A redução das taxas de juros e da inadimplência também desestimulariam o crescimento das chamadas operações financeiras informais, que escapam completamente ao controle das autoridades monetárias e vêm provocando forte evasão de tributos, criando uma concorrência absolutamente desleal com as instituições que operam dentro das normas do Banco Central.
Estima-se que esse sistema financeiro informal movimente mais de R$ 15 bilhões. Desde o início do ano passado, quando o governo elevou brutalmente as taxas de juros, reduziu os prazos das operações, impôs novos depósitos compulsórios e aumentou a carga tributária com alíquotas de impostos exorbitantes como as do IOC, esse mercado informal de dinheiro ganhou impulso excepcional. É a realidade superando a ficção.

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