São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
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Cautela em mar de incertezas

ALKIMAR RIBEIRO MOURA

Subjacente à questão proposta, existe a presunção de que o Banco Central pode controlar o sentido, a velocidade e o momento exato das mudanças na taxa de juros na economia, independentemente de qualquer outra consideração que não seja o exercício de sua vontade discricionária (à semelhança da vontade soberana do príncipe na condução dos negócios públicos). Quem sustenta tal posição ignora alguns aspectos do processo de formulação e execução da política monetária no Brasil.
Em primeiro lugar, desconhece as condições de incerteza que cercam o quadro macroeconômico, sobretudo na área fiscal: incerteza quanto à verdadeira situação atual das finanças públicas, considerando-se os três níveis de governo e as empresas estatais.
Incerteza quanto ao efeito sobre o déficit atual e futuro dos dispêndios públicos necessários para viabilizar os ajustamentos que estão ocorrendo e deverão ocorrer no sistema bancário oficial (federal e estadual) e privado.
Incerteza quanto ao verdadeiro tamanho dos passivos contingentes do setor público que deverão significar pressões sobre as contas governamentais; incerteza quanto à intensidade e velocidade das reformas administrativa, previdenciária e fiscal etc.
Em suma, uma queda mais rápida na taxa de juros, para ser sustentável, tem de estar coerente com os fundamentos econômicos do programa de estabilização, principalmente na sua dimensão fiscal. A incerteza sobre a solidez das contas públicas só recomenda cautela na condução da política monetária.
Em segundo lugar, embora o Banco Central tenha razoável controle sobre a taxa nominal de juros no overnight, uma redução desta última não significa necessariamente uma diminuição no custo real dos empréstimos ao setor privado, que é a variável relevante para as decisões empresariais.
Esse custo depende da inflação esperada, da cunha fiscal e dos níveis dos depósitos compulsórios. Além disso, um de seus componentes mais importantes é o prêmio para o risco de crédito, que depende muito mais da percepção dos banqueiros sobre o risco de inadimplência potencial do tomador do que de decisões do Banco Central sobre o nível de juros.
Finalmente, decisões sobre taxa de juros têm um efeito imediato sobre a taxa de câmbio, dada a estreita relação entre os mercados monetário e cambial.
As trajetórias das duas variáveis não são independentes. Com a relativa flexibilidade cambial, embutida no regime de bandas cambiais, ganhou-se maior liberdade para a política monetária.
Mas há que se reconhecer os limites de atuação para ambos os instrumentos, câmbio e juros. Aqui também, como em outras áreas da política econômica, coordenação é a palavra-chave. Movimentos erráticos em qualquer uma delas devem ser evitados, pois são facilmente exacerbados pela própria natureza desses mercados.
Propostas bem-intencionadas de redução rápida de juros, para favorecer o crescimento econômico, têm de levar em conta restrições macroeconômicas. Ao não fazê-lo, podem apenas produzir mais inflação e, infelizmente, menor crescimento.

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