São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Faculdades lutam por doação de cadáveres

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

As escolas de medicina do país estão precisando de cadáveres. Professores de anatomia de faculdades paulistas querem uma campanha informando e incentivando as pessoas a doarem seus corpos.
Os cadáveres são necessários para o estudo de várias disciplinas. No Brasil, os corpos usados são de indigentes não reclamados pela família. Cada grupo de quatro estudantes precisa de pelo menos um cadáver. Uma faculdade usa cerca de 20 corpos por ano. As 80 escolas de medicina do país precisam de mais de 1.500 corpos por ano. Não conseguem mil.
"A comunidade precisa ser sensibilizada para a importância de doar seus corpos", diz Aldo Junqueira Rodrigues Júnior, 44, professor-titular de cirurgia da Faculdade de Medicina da USP.
Rodrigues lembra que, doando todos os seus órgãos, uma pessoa pode beneficiar até dez outras. "Mas, se doar seu cadáver, estará ajudando um grupo inteiro de estudantes que, bem formados, salvarão centenas de vidas."
Professores de anatomia e cirurgia estão pedindo ao Congresso e ao Ministério da Justiça que regulamentem a doação de cadáveres, prevista na Constituição.
A faculdade de medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa) está preparando um Programa de Doação de Corpos (PDC). O primeiro candidato é o engenheiro Alexandre Natalino Montesanti (leia texto abaixo). O PDC é coordenado por Liberato DiDio, professor de anatomia da Unisa e criador de um programa de doação de cadáveres nos EUA, onde deu aula durante 35 anos.
DiDio fundou a faculdade de medicina de Toledo, em Ohio (EUA), e foi às igrejas e escolas pedir cadáveres para seus estudantes. "As crianças foram as primeiras a participar da campanha convencendo seus pais a doar seus corpos", diz DiDio.
A Faculdade de Medicina da USP recebe cerca de quatro cadáveres por ano doados ainda em vida. Na doação, o doador e três testemunhas assinam um documento que permanecerá em cartório.
Depois da morte, amigos e familiares se despedem do corpo, que é entregue à faculdade. "O aprendizado da ética em medicina começa com o respeito ao cadáver", diz Ricardo Luiz Smith, professor de anatomia da Escola Paulista de Medicina.
Na medicina da USP, o professor Rodrigues organiza um culto ecumênico uma vez por ano. "Os cadáveres e as peças são dispostos e cobertos sobre as mesas e os alunos fazem suas orações. É uma espécie de missa de corpo presente, uma reverência da qual participam todos os estudantes. Lembramos a eles que o cadáver não é simplesmente um objeto de dissecação, é um ser humano."
Na Unisa, o professor DiDio está criando o "Dia do Cadáver", quando os corpos serão homenageados. Como fez em Ohio, ele construirá um mausoléu onde escreverá o mesmo epitáfio, em latim: "Este é o lugar onde a Morte se compraz em socorrer a Vida".

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