São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Pré-Olímpico exibe 'ascensão precoce'

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A TANDIL (ARGENTINA)

Um dos países com maior concentração de renda do planeta, o Brasil tem na sua seleção pré-olímpica de futebol um painel contrastante de origens sociais.
Um foi trabalhador rural (Flávio Conceição), cortando cana no interior paulista. Outro, pouco mais que um bebê (Roberto Carlos), acompanhava os pais na roça.
Filhos da classe média, cinco atletas ingressaram em cursos superiores de engenharia, psicologia e educação física (Carlinhos, Marcelinho Souza, Jamelli, Gélson e Alexandre Lopes).
Outros quatro, nascidos em famílias de classe média alta e baixa, concluíram o segundo grau e só pararam de estudar para jogar (Caio, Dida, Sávio e Juninho).
A seleção marca o triunfo de jovens que foram crianças pobres e, ao mesmo tempo, reforça a tendência de crescimento da pequena burguesia no futebol.
Um dos exemplos mais agudos de ascensão social é o de Amaral.
Ele foi engraxate, pregou botões de calcinhas plásticas e trabalhou numa funerária, onde fez serviços de office-boy, ajudou a preparar corpos e, eventualmente, a tapar covas em cemitérios.
"Minha mãe era empregada doméstica; hoje ela pode ter uma empregada", diz Amaral. "Minha mãe era uma escrava; hoje eu faço dela uma princesa."
Em quase todos os casos, a qualidade de vida da família cresceu devido ao sucesso dos filhos, cujas carreiras começaram há pouco.
Ex-engraxate e metalúrgico, Arílson deu para a mãe, ex-doméstica, uma casa em Bento Gonçalves (RS). "Foi um sonho."
Jogador do clube alemão Kaiserslautern, hoje ele ganha em marcos. "No passado, só não matei e roubei, porque o resto fiz."
Filho de trabalhadores rurais, Flávio Conceição teve o mesmo destino: cortava cana.
Dono de duas casas, um apartamento e uma loja de roupas, Flávio já sabe a primeira coisa que fará quando o Pré-Olímpico terminar: comprar uma casa mais confortável para a mãe.
Os atletas da seleção pré-olímpica têm entre 19 e 23 anos. O menor salário é o de Zé Maria, da Portuguesa, que ganha pelo menos R$ 5.000,00 por mês.
O emblema preferido do sucesso são carros importados.
Com salário de cerca de US$ 100 mil mensais, Roberto Carlos carrega um brinco de ouro com brilhante, três anéis, uma pulseira e uma corrente, todos de ouro.
"Quem foi pobre antes sabe como é legal poder usar isso", diz o ex-tecelão e office-boy.
"O futebol ritualiza a democracia", diz o sociólogo Maurício Murad, coordenador do Núcleo de Sociologia do Futebol da Universidade do Estado do Rio.
"Classes e raças diferentes têm possibilidades mais semelhantes de afirmação."
Na opinião de Murad, o país deveria se inspirar no futebol para resolver alguns problemas.
"No sentido antropológico, o futebol é uma solução ritual de um conflito: a excessiva diferença social. No futebol, as chances são mais parecidas para todos."
"Ele mostra que, se as diferenças não fossem grandes, o país seria melhor. O futebol é mais criativo e supera suas contradições mais rapidamente que o país. O futebol brasileiro é melhor que o Brasil."

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