São Paulo, quinta-feira, 29 de fevereiro de 1996
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Um custo duplo

É inocultável a crescente gravidade de que se vai revestindo o episódio do Banco Nacional.
De um lado, o próprio chefe do Departamento de Fiscalização do Banco Central, Adilson Rodrigues Ferreira, admite que sabia desde outubro de 1995 que havia fraudes na contabilidade do banco. Também o sabiam o presidente do BC, Gustavo Loyola, e o diretor de Normas, Cláudio Mauch.
O mais razoável, no entanto, é supor que o BC sabia ou no mínimo desconfiava de algo irregular desde bem antes. Tanto é assim que o próprio Rodrigues Ferreira relatou ao Congresso Nacional que, desde junho, o BC estava analisando de perto as contas do Nacional, mas não conseguia identificar operações fraudulentas.
É assustador: as fraudes revelaram-se grosseiras, conforme se pôde verificar pelo noticiário dos dias mais recentes. Se nem "olhando de perto" as contas de uma instituição sob suspeita o BC consegue detectar rapidamente esse tipo de irregularidades, só se pode concluir que operações mais sofisticadas se façam com a maior tranquilidade.
Contribui para reforçar exponencialmente esse receio o fato, revelado ontem pelo "Jornal do Brasil", de que o hoje ministro da Fazenda, Pedro Malan, mandou investigar, em maio de 1994, outro tipo de irregularidades no mesmo Banco Nacional, estas relativas a operações de conversão da dívida externa.
De novo, há uma faceta assustadora nesse episódio: as irregularidades vinham desde 1988. Passaram-se, portanto, seis anos antes que o BC pedisse ao Ministério Público que as apurasse. Malan era presidente do BC, e o atual presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, o seu superior imediato, como ministro da Fazenda.
Elementar sentido de zelo pela saúde do mais delicado dos sistemas da economia -o financeiro- mandaria que tanto Malan como FHC ficassem, a partir de então, atentos em relação ao Nacional. E tivessem ao menos a curiosidade de saber em que pé estava a situação do banco quando, oito meses depois, FHC assumiu a Presidência da República e Malan saiu do BC e foi para a Fazenda.
Nada. Nem a Fazenda nem o BC nem a Procuradoria da República se movimentaram para apurar as irregularidades. É possível que a burocracia tenha se sentido acovardada pelo fato de um filho do então ministro da Fazenda ser casado com uma herdeira do banco.
Há, portanto, evidências de sobra de que todo o sistema de fiscalização foi no mínimo omisso, permitindo que se chegasse a uma situação em que a intervenção no Nacional se tornou inevitável, para evitar a quebra de confiança no sistema como um todo.
Com um duplo custo: de um lado, o material, ainda a ser avaliado, quando se souber de fato o tamanho do rombo do Nacional, mas preliminarmente estimado em US$ 4,6 bilhões. E, mais grave ainda, o custo inestimável representado pelo abalo na confiança a respeito dos responsáveis por zelar pela saúde do sistema.

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