São Paulo, quinta-feira, 29 de fevereiro de 1996
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Rei-dentro-ou-fora

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - A presença do presidente peruano criou grave problema de consciência para as principais autoridades do país. Felizmente, mais uma vez podemos proclamar que o mundo se curvou diante do Brasil. Verdadeiras matronas de Éfeso, essas autoridades souberam evitar a promiscuidade com o sr. Fujimori, não pelo fato de ter ele fechado o Congresso do Peru -prática venial, que costuma ser praticada na América Latina com exagerada frequência.
No Brasil, por exemplo, tivemos presidentes revolucionários que também fecharam o Congresso, cassaram congressistas e prenderam alguns deles. Nem por isso essas autoridades deixaram de apoiar os presidentes que, em boa hora, salvaram o país da anarquia política e do caos social.
Não sendo esse o motivo do repúdio ao presidente peruano, resta a causa que foi decisiva para a atitude de Sarney, Pertence e Luís Eduardo Magalhães: o sr. Fujimori cometeu o gravíssimo crime de mudar a regra do jogo depois do jogo iniciado e em desenvolvimento.
Desde criança, quando joga bola de gude e pula carniça (não sei se as crianças ainda hoje praticam esses nobres esportes de outrora), aprendemos que não se muda regra de jogo. Bola ou búrica, marraio, feridô-sou-rei-dentro-ou-fora! -são leis maiores, inscritas com letras de fogo na alma e na carne do brasileiro infante.
Esse brasileiro infante, se não morre de desnutrição, meningite, doença de Chagas, febre suína ou bala perdida, muitas vezes chega aos altos postos da República e aí pode esquecer todas as agruras que atravessou, mas jamais a lei moral que o formou: bola ou búrica, marraio-feridô-sou-rei-dentro-ou-fora -o mundo pode vir abaixo, mas essas leis não mudam depois de enunciadas.
Fujimori, como sabemos, não jogou bola de gude em criança. Eleito presidente, mudou a regra do jogo e vai se reeleger indefinidamente. Mereceu o repúdio de algumas de nossas autoridades. Menos de FHC que, pelo visto, também não jogou bola de gude em criança.

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