São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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Escândalo desfocado

LUÍS NASSIF

Nos últimos 40 anos, dois presidentes da República foram derrubados, dois foram ameaçados de não tomar posse, um renunciou, outro foi enfrentado por seu próprio ministro do Exército, o Congresso foi fechado duas vezes, Estados e capitais não puderam eleger seus governantes, estourou o Independência-Decred, explodiu o Comind.
Mesmo assim, o senador Pedro Simon foi retumbante: o caso Nacional gerou a maior crise política dos últimos 40 anos.
Por que este exagero de um senador tão comedido quanto Simon? Por que nos últimos tempos a figura pública de Fernando Henrique Cardoso exala arrogância tão acentuada, que estimula em parte da opinião pública o desejo explícito de vê-lo baixar o topete, seja qual for o motivo.
O Brasil inteiro quis destroçar Romário quando ele colocou as manguinhas de fora. Conseguiu quando ele deixou de marcar gols. Mas não há um só inimigo que ouse dizer que ele é perna-de-pau.
Da mesma maneira, o Nacional é o pênalti que FHC chutou fora. Mas por mais que se queira dar um "trança-pé" no ego presidencial, não há nenhuma evidência de que FHC protegeu os acionistas do Nacional.
O que fazer
O mote que deflagrou esse paroxismo é a informação de que em outubro o presidente sabia das manipulações nos balanços do Nacional.
Sugerem-se dois tipos de análises sobre o fato: primeiro, o que o presidente fez, depois de obter a informação; segundo, o que ele deixou de fazer. A partir daí, ficará mais claro se houve escândalo ou não na sua conduta (discussão que não elimina o fato, este sim escandaloso, de um banco ter conseguido esconder por dez anos créditos podres do Banco Central).
O que o presidente fez foi editar uma medida provisória que preservou o Nacional, mas não preservou controladores e executivos.
Pelo contrário, a MP do Proer estendeu o bloqueio de bens para os membros do grupo controlador que não participam da gestão da instituição -o que incluiu no bolo uma nora do presidente, que ficaria de fora pela legislação anterior.
Ao desapropriar as ações dos controladores, e obrigá-los a oferecer bens como garantia, o presidente impediu-os de se beneficiarem da indústria das liquidações que nesses 40 anos citados por Pedro Simon enriqueceu grandes mandriões, com o beneplácito do Executivo, sem que o Congresso esboçasse a menor reação.
As medidas tomadas permitirão à Justiça, se quiser, tirar até o último bem da família que controlava o banco -incluindo a herança dos netos do presidente. E ainda punir criminalmente os autores da maracutaia.
Prendo e arrebento
Em relação aos controladores e executivos, fez-se tudo o que deveria ter sido feito. O que mais? Ter mandado estourar o banco?
Haveria as seguintes consequências:
1) Todos os funcionários do Nacional perderiam o emprego.
2) Os correntistas perderiam seu dinheiro.
3) O BC jogaria pela janela US$ 1 bilhão -que foi o preço que o Unibanco pagou pela estrutura remanescente do Nacional.
4) A quebra provocaria uma corrida ao sistema financeiro, de resultados imprevisíveis (imprevisível no sentido de saber se, depois do vendaval, restariam de pé de um a cinco, ou de cinco a dez bancos).
5) Daqui a dez anos a família Magalhães Pinto conseguiria recuperar parte de sua grana, graças aos procedimentos judiciais consagrados pela indústria da liquidação extrajudicial.
Há quem possa considerar esta a solução mais barata. Embora, compadecidos da situação dos funcionários e correntistas, o mais provável é que os bravos parlamentares pressionassem o Executivo para conferir o mesmo tratamento que ao Econômico.
Mesmo assim, a discussão passa ao largo do tom escandaloso que se pretende conferir ao procedimento pessoal do presidente.
Ponderando
O episódio Nacional é relevante, mas por expor vícios de outra espécie, como a precariedade do sistema de fiscalização do BC, a falta de transparência dos balanços, a falta de vontade de mudar dos sucessivos presidentes do banco e ministros da Fazenda (incluindo o próprio FHC), os vícios das estruturas familiares, a desatualização da Lei das Sociedades Anônimas.
Este é assunto para a coluna de amanhã.

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