São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Christopher volta ao Brasil

PAULO TARSO FLECHA DE LIMA

O Brasil recebe na manhã de hoje, para uma visita oficial de três dias, o secretário de Estado norte-americano, Warren Christopher. Não é a primeira vez que o temos entre nós. Em 1977, quando aqui esteve como vice-secretário de Estado do governo Carter, trazia em sua agenda os temas dos direitos humanos e da não-proliferação nuclear.
Hoje, quase duas décadas depois, já não vem para discutir direitos humanos. Bem sabe que a democracia que conquistamos tem na defesa desses direitos uma de suas pedras angulares. Tampouco vem motivado pela diferença de percepções que um dia nos manteve afastados em matéria de não-proliferação.
Ao contrário, vem concluir com o Brasil importantes acordos de cooperação na área do uso pacífico da energia nuclear e na área aeroespacial.
As credenciais brasileiras em matéria de não-proliferação, que se mostram com firmeza inequívoca na vigência plena do Tratado de Tlatelolco e em nossa participação integral no Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis (MTCR), para citar dois exemplos, são hoje patrimônio de nossa política externa. Os acordos que estamos concluindo com os EUA evidenciam o grau de reconhecimento internacional dos compromissos brasileiros nessa área. Ao situar a visita do secretário Christopher em quadro mais geral, diria, a rigor, que a evolução desses dois temas é emblemática da mudança de parâmetros que identifico no relacionamento entre Brasil e EUA.
A diplomacia brasileira, seguindo os rumos definidos por seu patrono, o barão do Rio Branco, sempre entendeu que um dos pilares centrais de sua projeção externa era um relacionamento franco e desimpedido com os EUA.
Ao longo da Guerra Fria, entretanto, as características gerais de um sistema internacional marcado pela confrontação bipolar impunham limite estrutural àquele relacionamento. Esse limite tinha origem na preocupação brasileira em se distanciar de um regime que congelava o poder e que não atendia aos interesses de um país com visão própria e autônoma da ordem mundial. As perspectivas desenhadas pelos novos tempos removem essa limitação e abrem novos horizontes para nossa política em relação aos EUA. Se as convergências no passado eram difusas, ante o pano de fundo de uma divergência estrutural, hoje o quadro se inverte e, sem que desapareçam divergências políticas ou econômicas, o que há de estrutural são os pontos de convergência.
Esse novo modelo de diálogo bilateral foi inaugurado em abril do ano passado, por ocasião da visita do presidente Fernando Henrique Cardoso aos EUA. A mensagem central de nosso presidente foi claramente entendida em Washington: sem traumas e sem custos para a comunidade internacional, o Brasil já havia concluído parte decisiva de sua agenda de reformas estruturais.
A democracia assegurada, a retomada do desenvolvimento com estabilidade, o compromisso com as causas sociais já constituíam manifestações concretas dos valores defendidos pela nação brasileira. Sobre essa base, era chegado o momento de construirmos uma nova parceria entre Brasil e EUA.
É à luz dessa nova parceria que devemos buscar entender o histórico recente do relacionamento bilateral, marcado pela elevação do patamar do diálogo político e pela grande fluidez no entendimento recíproco. É ainda nesse quadro mais amplo das relações Brasil-EUA que poderemos melhor avaliar o sentido e a importância da visita de Christopher a nosso país.
Não o recebemos só como um amigo, já o temos igualmente como parceiro. Parceiro na tarefa, complexa e inadiável, de juntos trabalharmos por um mundo que saiba fazer dos valores da justiça, liberdade e desenvolvimento os pilares da estabilidade internacional.

Texto Anterior: SEM PALAVRAS; SENSO DE DEVER; LÁ E CÁ; INEDITISMO
Próximo Texto: Sivam: um testemunho
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.