São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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A doutrina Fujimori

JOSÉ SARNEY

Preocupa-me a deificação feita do senhor Fujimori. Há que distinguir duas coisas: o Peru e seu presidente e o político Fujimori e suas idéias e ações.
Ao Peru todos nós devemos uma atenção e uma consideração de país irmão. Nossas relações são as melhores possíveis e o Brasil sempre apoiou o Peru, objetivamente.
Quando o mundo fechou suas portas ao Peru nós mantivemos uma linha de crédito que assegurou, financiada pelo Brasil, durante a minha presidência, a construção da grande obra de Chavimochic, em Trujillo.
O presidente da República tem de receber os chefes de Estado, sejam quais forem. Eu os recebi, em todas as situações. Não mudei. Se tivesse mudado, teria sido bom, como aconselhava Rui Barbosa: "Não quero mudar do bem para o mal e do mal para o pior".
É de nossa tradição e está escrito em nossa Constituição que o país respeita a autodeterminação, não se envolvendo em assuntos internos de outros países. Mas isso não nos obriga a aceitar idéias políticas de políticos de qualquer país.
Na sua visita ao Senado não ocorreu nenhuma descortesia. Ele não visitava o senador José Sarney e sim o Senado da República, que por sua vez é representado pela sua Mesa ou por qualquer senador, por delegação desta.
Ali, foi recebido pelo Senado, por meio do membro da Mesa mais qualificado para recebê-lo, o presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Peru. Essas são relações diplomáticas perfeitas. O mesmo ocorreu na Câmara.
Agora, eu, pessoalmente, acho que o senhor Fujimori prestou um dos maiores desserviços à democracia na América Latina ao assumir a posição tradicional de qualquer caudilho, com sua posição de desprezo e de desrespeito aos direitos humanos e democráticos no continente.
Sua eleição foi apoiada por todos esses deputados e juízes corruptos que ele agora denuncia. Vargas Llosa, candidato, no dia seguinte ao primeiro turno da eleição foi à sua casa para renunciar e apoiá-lo, contanto que ele aprovasse o seu programa de moralização daquele país.
Ele recusou para receber os votos de Alan García e daqueles que ele hoje, aqui, condena posando de bom moço. Eleito, personalidade ditatorial, fechou o Congresso e o Judiciário e convocou novas eleições dentro dos seus padrões.
Mas o senhor Fujimori está tendo adeptos. Preocupa-me essa campanha de desmoralização permanente do Congresso, que tem suas mazelas, que merece crítica sem dúvida, mas que não pode ser apontado à opinião pública como uma coisa desnecessária e responsável por tudo de mal que acontece no país.
Sem Congresso não há democracia; sem democracia não há liberdade.
Fujimori continua o mesmo. O que ele disse no Brasil? Que reeleição não é um princípio, não deve ser adotada como uma possibilidade de se chegar a um melhor governo.
É uma ambição pessoal, que se deve alcançar pela sua fórmula: fechar o Congresso e o Judiciário, combater a inflação e largar a mulher, conferindo ao Exército Nacional mais uma função, como ocorreu no Peru.
Ou seja: em caso de resistência da esposa em deixar o Palácio, tratá-la a tanques e soldados.

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