São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Disquete disseca o rombo do Nacional

CARI RODRIGUES; GUSTAVO PATÚ

Empréstimos que estão contidos no disquete têm seus valores parecidos, cerca de R$ 8 mi
Devedor listado deixou banco há seis anos e outros não constam em listas telefônicas
CARI RODRIGUES
GUSTAVO PATÚ
em São Paulo
Um disquete de computador, sob a guarda do Banco Central, registra em detalhes a fraude que encobria rombo superior a R$ 5 bilhões na contabilidade do Banco Nacional. A Folha obteve cópia do disquete.
Nele estão contidos dados sobre 652 operações de empréstimo, todas sob investigação. O BC suspeita que os empréstimos sejam fictícios. Teriam sido forjados para fraudar, desde 1986, os balanços da instituição.
Conforme as suspeitas do BC, a fraude funcionava assim: o banco dos Magalhães Pinto forjava os empréstimos, lançando-os em seus balanços como créditos a receber. Sob a contabilidade podre, havia um banco em ruínas.
O esquema, engendrado por Clarimundo Sant'Anna, ex-diretor do Nacional, sobreviveu durante dez anos sem que a fiscalização do BC conseguisse detectá-lo.
Em novembro do ano passado, quando o Nacional foi vendido ao Unibanco, os empréstimos suspeitos somavam exatos R$ 5.367.941.633,14.
As informações do disquete (veja lista nas páginas seguintes) reforçam as suspeitas do Banco Central. Os empréstimos têm, todos, valores muito semelhantes -entre R$ 7,5 milhões e R$ 8,5 milhões, na maioria.
Estão distribuídos entre empresas desconhecidas e pessoas físicas. Até hoje os contratos estão em vigor, o que significa não terem sido quitados.
Suspeita-se que a lista de Clarimundo reúna dois tipos de correntistas: os fantasmas e os reais.
Esses últimos desconheceriam que seus nomes estavam sendo utilizados para encobrir a contabilidade "podre" do Nacional.
Para obter as informações, uma equipe de 15 auditores do BC teve de fazer uma trabalhosa pesquisa desde dezembro.
Não havia registro dos empréstimos nos computadores de Clarimundo. Suspeita-se que tenha apagado os dados.
A devassa nos microfilmes do Nacional possibilitou a montagem de uma planilha farta em dados. Pode-se ter acesso ao documento por intermédio de dois tipos de programas de computador: o Excel ou o dBase.
Há nomes de empresas e pessoas físicas, números de CPFs e CGCs, endereços, datas, e valores dos contratos de empréstimos, atualizados até o dia da intervenção no Nacional (18 de novembro de 95).
Os endereços estão dispostos de forma confusa. Há casos em que mencionam-se os locais das residências ou de funcionamento de empresas. Em outros, são listados endereços de agências desativadas ou em funcionamento do próprio Nacional.
A equipe de auditores tenta agora montar o quebra-cabeças que compõe toda a evolução dos empréstimos. Suspeita-se que tenham sido renovados sucessivamente, para encobrir a falência do banco.
O BC remeterá o disquete ao Ministério Público, esperando investigação policial a pedido dos procuradores da República.
A Folha ouviu alguns dos "clientes" mencionados na lista de Clarimundo Sant'Anna. Eles apresentam dados diferentes dos contidos no disquete, o que é coerente com a suspeita de que teriam sido usados à sua revelia na contabilidade.
O empresário Felício Brandi, de Belo Horizonte, listado entre os supostos devedores do Nacional, diz que há seis anos deixou de operar com o banco.
Sua empresa, porém, Massas Orion, ainda integra a lista de "devedores" do banco até janeiro.
Brandi diz ter sido cliente do Nacional por 40 anos e acionista do banco. Diz ainda que vendeu suas ações também há seis anos.
A lista de Clarimundo inclui como devedora do Nacional a empresa Sabonex, também de Belo Horizonte. No endereço mencionado -rua São Paulo, 322- funciona um posto do INSS.
O recepcionista Marco Antônio informou que dez anos atrás havia no local uma agência do Nacional.
Cleusa Buque Sircilli, de Orlândia (SP), também relacionada como devedora do Nacional, mora na Suíça há cinco anos. O endereço anotado no cadastro do banco está errado. Sircilli morava na casa 267 da avenida nº 5, e não na casa 208.
O esquema do banco era engenhoso: a pulverização de operações é considerada sinal de boa técnica bancária -o que o BC costuma investigar são bancos que concentram empréstimos em poucos clientes, porque o risco é maior.
Clarimundo, figura-chave das supostas fraudes do Nacional, ainda não foi ouvido formalmente pelo BC. Em depoimento informal, porém, confessou as irregularidades ao BC e disse que a família Magalhães Pinto tinha conhecimento da maquiagem dos balanços.

Colaboraram a Reportagem Local e a Agência Folha

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