São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Cali proíbe arma e assassinatos caem 9%

DA REPORTAGEM LOCAL

Não é só Nova York que consegue reduzir a taxa de homicídios. Cali, a cidade colombiana conflagrada pelo narcotráfico, baixou o número de assassinatos de 2.224 em 1994 para 2.061 no ano passado.
A receita é heterodoxa. A prefeitura vetou armas de fogo, proibiu a venda de bebida alcoólica após as 2h da manhã e criou programas sociais nas áreas mais carentes. Até andar de carona em moto era proibido -é que boa parte dos matadores adotavam essa estratégia.
O programa foi tocado pelo homem ideal no lugar ideal. Rodrigo Guerrero, 58, médico com doutorado na Universidade de Harvard (EUA) sobre violência, foi entre 1991 e 1994 prefeito de Cali.
Hoje, é assessor para Assuntos de Saúde e Violência na Organização Pan-Americana da Saúde. De Washington, ele falou à Folha:
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Folha - Por que homicídios crescem em cidades como São Paulo?
Guerrero - As causas não são muito claras. Acho que tem a ver com o narcotráfico, mas não é só por causa do comércio ilegal de drogas. Mais importante é a desordem social que o narcotráfico provoca. Os traficantes estabelecem a polícia, corrompem a Justiça. É mais o efeito indireto do narcotráfico que aumenta a violência.
Folha - O narcotráfico sozinho explica o aumento de assassinatos?
Guerrero - Não. O alto consumo de álcool é um fator importante. Em lugares como Medellín, 40% dos mortos têm alto nível de álcool no sangue. Outro problema são as armas de fogo. Os garotos não brigam mais com os punhos, como na minha época, mas com balas.
Folha - O sr. quer dizer o controle da venda de álcool e armas reduz a criminalidade?
Guerrero - O controle de venda de álcool e de armas provoca uma redução brusca de homicídios. Em Cali, consegui proibir a venda de álcool após as 2h da manhã e houve uma redução de homicídios.
Em Bogotá, o prefeito só permite a venda de álcool até 1h e teve mais êxito do que eu. No México, não se permite a venda de álcool após a meia-noite e a criminalidade vem caindo. As armas têm de ser exclusivas de Exército e polícia. A sociedade não pode andar armada.
Folha - Por que a violência vem caindo em cidades americanas e subindo em São Paulo?
Guerrero - Os EUA fazem um esforço muito grande para combater a violência. Estão melhorando a polícia e conseguindo incorporar os jovens à sociedade.
Folha - É possível implantar esse programa na América Latina?
Guerrero - Em cada lugar se mata de uma maneira, mas é possível aplicar programas similares. Em Cali e Medellín reduzimos a mortalidade com uma campanha chamada Desenvolvimento, Segurança e Paz. Fizemos programas para melhorar a polícia e a Justiça, como nos EUA, e deu certo.
O fundamental é a sociedade perceber que a violência não é um problema só da polícia, mas de todos. Se todos se envolverem, o problema vai ser reduzido. O Viva Rio é um movimento interessante, porque parte desse princípio.
Folha - Como se faz para envolver a sociedade?
Guerrero - É preciso mostrar os dados sobre a violência em vez de escondê-los, como fazem os governos. Quando eu era prefeito, morreram três pessoas de cólera e todos os colombianos acharam um escândalo. Ora, morriam 15 pessoas assassinadas toda semana e ninguém falava nada porque eram mortes anônimas, de pessoas com baixo nível econômico. O importante é as autoridades mostrarem que nem um assassinato é admissível. Eu mostrava os números da violência toda semana.
Os dados estatísticos também são importantes para se planejar as ações. Temos que saber onde ocorrem os homicídios, em que hora e em que dia da semana.
Folha - Seu programa antiviolência privilegiou polícia ou Justiça?
Guerrero - Os programas que obtêm sucesso não privilegiam um ponto, mas atacam as causas. Isso é necessário porque ninguém sabe a causa exata da violência. Ações isoladas não levam a lugar algum. Só repressão também não adianta.

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