São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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"Não senti dor; caí e falei alto: tô vivo"

Office boy escapou de chacina

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O office boy William Oliveira dos Santos, 18, é a exceção à tese de que os alvos de chacinas são, normalmente, usuários ou traficantes de crack. "Não fumo, não bebo, não masco chiclete nem tomo café porque faz mal e não gosto", enumera. Poderia acrescentar que não tem passagem pela polícia.
William é sobrevivente de uma chacina tripla na Estrada M'Boi Mirim, no Jardim Ângela (zona sul). Foi baleado na coxa e nos dedos direitos na madrugada do último domingo e passa bem.
A cena da chacina parece faroeste. Veja o depoimento de William:
"Os caras chegaram a pé e atravessaram a avenida com a arma na mão. Eram duas pessoas. Provavelmente estavam com uma automática, porque foram muitos tiros, mais de 20. O cara chegou dizendo 'encosta' e começou a atirar. Eu recebi a primeira bala. O Ricardo (Ribeiro Alves) me jogou para trás e começou a atirar. Ele salvou minha vida e acabou morrendo. Pulei um muro de três metros, caí e fiquei quieto. Ainda estava rolando tiro. Aí o Ricardo caiu na minha frente. Já estava gemendo, quase morto. Vi que minha calça estava furada, mas não senti sangue nem dor. Falei alto: 'tô vivo'. Corri até minha casa, acordei minha mãe e fui para o médico".
Filho de uma cabeleireira, ele ganha R$ 250 por mês e quer fazer o curso técnico de processamento de dados no 2º grau. "Conheço DOS, Windows, dBase 3, Word e um pouco de Clip", conta.
Cantor do grupo de rap Voz da Periferia, é um garoto cabeça. Não gosta de gangsta rap ("eles são machistas, só querem saber de usar as mulheres") e acha o grupo Racionais MC o máximo ("por causa das letras").
A chacina à qual sobreviveu já virou rap: "Fazer o quê? Vida de pobre é assim. Irmão matando irmão/ É o que faz esse lugar ser chamado de mundo cão". William sabe do que fala. PT ali não é partido político. É o jeito como chamam uma pistola automática.
(MCC)

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