São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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IML é retrato da violência em São Paulo

Funcionários ajudam famílias

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma hora da manhã da última segunda-feira e o médico legista Juracy Costa, 54, termina a necropsia do estudante Silvio Amarage de Menezes, 16. Causa da morte: choque hemorrágico traumático agudo. Sobre a ficha, o médico marca as iniciais LCV, o caixão será lacrado e terá um visor. A família verá apenas parte de seu rosto atingido por dois tiros.
Doze horas antes, às 13h20 do domingo, Silvio saía de casa na rua Vidal Reis, no Parque Novo Mundo, zona leste da cidade, quando foi atacado. A irmã Sueli viu apenas uma Brasília branca sumir.
A mãe, Antonia Amarage, ainda agarrou o filho ensanguentado com vida. "Ele vivia andando de skate", disse o tio Carlos Rodrigues dos Santos, 27, que levou Silvio ao hospital da Vila Maria. Duas horas depois estava morto. "Ele não tinha passagem na polícia. Ninguém sabe por que foi morto."
Nas fichas do Instituto Médico Legal central, junto ao Hospital das Clínicas, Silvio ganhou o número 932. Foi um entre os 51 assassinados naquele final de semana em São Paulo. Antes dele, só no IML central, 931 pessoas morreram de morte violenta neste ano.
O IML central não fecha nunca. Os outros três da periferia param as necropsias às 19h. Nesse horário do domingo, está começando o turno de 12 horas da equipe chefiada pelo legista Juracy Costa.
Pessoas caladas esperam do lado de fora. O comerciário Norberto Garofo, 27, diz no guichê protegido por grades que seu irmão foi morto pela manhã. Carrega os documentos e um saquinho de supermercado com suas roupas.
Na geladeira do necrotério estão 18 corpos nus ainda não-identificados. O funcionário abre cada uma das gavetas. Norberto apenas confirma com a cabeça. O irmão, Roberto Garofo, 24, passou a noite do sábado fora, voltou de manhãzinha, pegou a moto e saiu de novo. A mãe se lembra do barulho.
Foi encontrado morto a dois quilômetros de casa, na Vila Medeiros, com tiros na cabeça, nas costas e nas nádegas. O irmão diz que não sabe as razões do crime.
A administradora desse plantão é Núbia Laura Consales, há 22 anos no IML. "Aprendi a viver aqui dentro", ela conta. "Acudo as famílias desesperadas. O morto não precisa de ajuda."

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