São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Caso brasileiro exige teorias opostas

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O nível de emprego está diretamente relacionado ao nível de atividade econômica. Se a economia cresce, o emprego cresce na mesma proporção, e inversamente.
Durante muito tempo, essa teoria, social-democrata, dominou os meios políticos, mesmo à direita.
Ocorre que os fatos pareciam demonstrá-la. E como nenhum governante sente-se confortável com altos níveis de desemprego, todos acabavam recorrendo a ela.
Bastava que o Estado estimulasse a atividade econômica -com investimentos diretos, créditos ou subsídios- para que os empregos aparecessem.
Até que ocorreram dois fenômenos. De um lado, em quase toda parte, esgotou-se a capacidade do Estado de financiar o crescimento.
Mais do que isso, o Estado passou a exigir cada vez mais recursos para cobrir seus compromissos, especialmente com pessoal, previdência e assistência social.
No período anterior, o ganho tecnológico também permitia produzir cada vez mais, com menos gente e custos menores.
Mas os empregos perdidos eram compensados e superados pelo contínuo aparecimento de novas fábricas, instaladas para atender uma demanda sempre crescente.
A novidade da microeletrônica é que o ganho tecnológico é tão amplo e rápido, que se pode aumentar continuamente a produção gerando cada vez menos empregos.
No início da microeletrônica, nos países desenvolvidos, o emprego crescia pouco mesmo em fases de rápida expansão econômica. Hoje, já há casos, em que há crescimento do produto simultâneo à perda de empregos.
A circunstância deu vida à teoria inversa à social-democrata. Se nesta há desemprego quando a economia pára e não há demanda por trabalhadores, na teoria liberal há desemprego quando a oferta de emprego é insuficiente.
Ou, há desemprego quando as pessoas não querem ou não podem trabalhar nas condições do mercado. Não aceitam ou não são qualificadas para os postos oferecidos.
Exemplo: em países onde o seguro-desemprego cobre 65% do último salário, o cidadão pode achar que não vale a pena sair do ócio para ganhar os outros 35%.
Outro exemplo: há situações em que empresas modernas precisam de empregados, há pessoas procurando emprego, mas estas não têm a qualificação necessária.
Finalmente, há situação em que o uso de máquinas reduz de tal modo o custo de produção que só seria economicamente interessante empregar pessoas se fosse para pagar salários mais baixos.
Mas não dá para reduzir salários, por causa dos encargos trabalhistas e por causa dos sindicatos.
Na visão social-democrata, os encargos e a ação sindical são positivos, pois aumentam o poder aquisitivo dos trabalhadores, que vão às compras e estimulam a produção, que deve gerar empregos.
Para a teoria liberal, a malha protetora em torno do trabalhador simplesmente encarece o emprego e desestimula o empregador a abrir postos de trabalho formal.
Em qual teoria se enquadra a situação brasileira hoje?
Em todas, sugere o professor Hélio Zylberstajn, da USP. "É claro que o país precisa crescer e é claro que em diversos setores, o crescimento gera empregos", comenta.
Mas é certo também que falta mão-de-obra qualificada para os empregos de boa qualidade oferecidos pelos setores modernos.
E é verdade também que a ação sindical e a legislação trabalhista, em muitos lugares, expulsam empresas e estimulam a contratação de trabalhadores informais.
Em resumo, diz Zylbertajn, o caso brasileiro precisa de um pacote complexo, cujo ponto de partida poderia ser o seguinte: deixar os direitos trabalhistas na lei, mas permitir que, por negociação coletiva, sejam flexibilizados ou trocados.

Texto Anterior: Reduzir encargos é questão polêmica
Próximo Texto: Tecnologia e trabalho
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.