São Paulo, segunda-feira, 4 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Endereços revelam 'clientes fantasmas'

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O disquete de computador com as informações sobre as 652 operações de crédito que geraram o rombo superior a R$ 5 bilhões no Nacional traz uma informação surpreendente: pelo menos 26 empresas do Rio são registradas com endereços de agências do banco.
Só estes casos somam R$ 233 milhões em créditos que jamais serão quitados. O fato de terem as agências do banco como endereço indica que elas só existem no papel.
O disquete, sob a guarda do BC e com dados de Clarimundo Sant'Anna, ex-contador do Nacional, foi obtido com exclusividade pela Folha, que ontem publicou a relação completa dos "clientes" listados do banco.
A lista mostra 12 empresas, todas com débitos acima de R$ 8 milhões. Na coluna na qual deveria constar o endereço dos clientes, aparece sempre o mesmo local: avenida Kennedy, 1.597, onde funcionava a antiga agência do Nacional da cidade de Duque de Caxias.
O mesmo aconteceu com a agência do bairro de Marechal Hermes, na zona norte da cidade. Sete empresas, que seriam responsáveis por uma dívida total de R$ 64 milhões, figuram no disquete com o endereço da rua Aurélio Valporto, 67, onde também funcionava uma agência do Nacional.
Bairros diferentes Mas o dado mais revelador do caos que reinava no banco é o das sete empresas que aparecem no disquete com o endereço da antiga agência do Nacional em Brás de Pina, também na zona norte.
Todas têm como endereço a av. Brás de Pina, 2289, loja A, sede da agência, mas o nome do bairro muda de acordo com a ficha do cliente. Em algumas operações, o bairro é identificado como Vicente de Carvalho, em outras como Vaz Lobo, Penha, Irajá e Vista Alegre.
Uma mesma empresa -Souza e Souza Transportes, que recebeu três empréstimos, com o valor atual de R$ 27,3 milhões- foi cadastrada com dois endereços distintos: o da agência do Nacional em Brás de Pina e outro no bairro de Vicente de Carvalho, também na zona norte.
A reportagem da Folha tentou encontrar mais de 30 supostos credores do Nacional na zona norte do Rio e em Duque de Caxias. Só um dos supostos devedores, o pequeno empresário Octávio Rocha Coelho, 46, foi localizado.
Em 1987, Coelho abriu uma pequena fábrica de móveis, chamada Ponto 3, em Marechal Hermes. Como não tinha capital de giro, tomou dois empréstimos de Cz$ 260 mil cada, na agência do Nacional.
Pelo disquete, Coelho deve R$ 17 milhões ao banco, mas ele diz que há dois meses quitou sua dívida na Justiça, por R$ 50 mil.
"Se todos os outros 650 casos forem como o meu, o rombo jamais será coberto", diz Coelho.
Portas fechadas Na maior parte dos casos, as empresas que constam do disquete em poder do BC fecharam suas portas há muitos anos. Só algumas ainda são lembradas.
É o caso da Librax Comércio de Produtos Descartáveis aparece na listagem com o endereço do Nacional em Brás de Pina e com débito total de R$ 15,8 milhões.
Os pequenos comerciantes da área afirmam que ela só funcionou em 1987 e não pagou nem sequer o aluguel da sala que ocupava no prédio vizinho ao da agência.
Outro indício de que os créditos são irrecuperáveis é o do Centro Educacional Paula Mara, que funcionou em um bairro pobre chamado Corte 8, em Duque.
No local, funciona hoje uma escolinha chamada Educandário Rezende Lage e os vizinhos não sabem como localizar os ex-donos do Paula Mara.

Texto Anterior: Deputado quer punição
Próximo Texto: Planalto teme a desmoralização do BC no Senado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.