São Paulo, quarta-feira, 6 de março de 1996
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Temporada de 96 começa só agora em teatros de SP

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o teatro em São Paulo, 1996 tem início só agora, com onze semanas de atraso em relação ao calendário gregoriano.
São quatro estréias e uma remontagem. Nenhum clássico -Shakespeare, Racine ou algum dramaturgo brasileiro-, mas, pela amostragem, a temporada deverá misturar bom-mocismo com irreverência dos temas.
Há antes de mais nada o "lesbian chic", centrado em dois personagens que também foram respeitados nomes da literatura de língua inglesa: Gertrude Stein (1874-1946) e Virginia Woolf (1882-1941).
A norte-americana Stein conviveu por 35 anos com uma Paris em que as vanguardas se acotovelavam num congestionamento de talentos. Suas tiradas de egocentrismo explícito foram parar nas antologias mundanas da intelligentzia.
"O povo judeu só produziu três personagens que se prestam: Cristo, Spinoza e eu", disse ela certa vez ao pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), com quem esgrimava, armada de suas vaidades.
Diante de tanto brilhantismo verbal, empalidecia-se a imagem de Alice B. Toklas, amante de Stein escrevia um livro de arte culinária.
"Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso", com texto de Alcides Nogueira, é uma das estréias. Dirigida por Antônio Abujamra (45 anos de carreira) e Márcio Aurélio, traz no elenco Nicette Bruno (50 anos de carreira), Clarisse Abujamra e Francarlos Reis.
Bem mais equilibradas intelectualmente como casal, Wolf e Vita Sackville-West (1892-1962) participaram de início, no grupo de Bloomsbury, do enterro da estética literária vitoriana.
Eram ambas casadas com respeitados senhores do establishment britânico -Virginia com um editor e Vita com um diplomata. Sucumbem ao fim de três anos ao que uma delas designou cruelmente como "safismo", encantam-se e conseguem transformar o desejo em amizade até o suicídio de Wolf.
"Vita & Virginia", com texto de Eillen Atkins, baseado na correspondência trocada pelas duas amantes, traz Sylvia Bandeira e Jacqueline Laurence sob a direção de Ítalo Rossi.
Essas duas primeiras peças têm em comum com uma terceira, "Oeste", do norte-americano Sam Shepard, a tentativa de explorar, por meio da linguagem teatral, a compactação de sentimentos, a emergência de complexidades psicológicas, a agregação do social aos personagens.
Shepard é uma descendência em ruptura de Tennessee Williams e Arthur Miller. "Oeste", uma de suas 40 peças, estreou há 16 anos em San Francisco e trabalha em torno do contraste entre projetos e estilos de dois irmãos.
O espetáculo (direção de Marco Ricca) traz como chamativo dois atores globais. Mas, surpresa: o mais reputado, Fábio Assunção ("Sonho Meu", "Pátria Minha"), teve a cena roubada, no ensaio do último sábado, por Otávio Müller ("Dono do Mundo").
As duas últimas peças que marcam o verdadeiro início da temporada teatral de 1996 têm como opção conjunta o gosto pelo caricatural e pelo deboche. Tentam demolir duas instituições tão poderosas quanto o poder político e a religião.
"Noviças Rebeldes", do norte-americano Dan Goggin, é a tradução possível do intraduzível trocadilho do título original ("Nunsense") e traz de volta a São Paulo a Companhia de Patifarias da Bahia, sob a direção de Wolf Maya.
"Ubu", de Alfred Jarry (1873-1907) traz o Teatro do Ornitorrinco e Cacá Roosset na remontagem do espetáculo que estreou em 1985 e permaneceu três anos e meio em cartaz.

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