São Paulo, quarta-feira, 6 de março de 1996
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O orgulho do ministro

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Ainda bem que o ministro Sérgio Motta declarou, aqui no Rio, que está orgulhoso de pertencer a um governo cujo presidente coloca os bens de suas netas em disponibilidade. Por mais que eu tente, não consigo trazer para o questionamento público (que é a imprensa) os problemas de família.
Durante o regime militar fui cobrado por recusar denúncias que envolviam a vida familiar dos sobas da época. O que me interessava era o próprio soba, Castelo Branco, Costa e Silva etc. De uns tempos para cá, com a exposição às vezes forçada, às vezes voluntária, da família presidencial, fica impossível o limite, inútil a discrição do bom gosto.
Numa jogada de antecipação, o ministro lembrou que as netas do presidente da República poderão ser prejudicadas pelo escândalo do Nacional. Faço votos para que não o sejam. Conheço o pai delas, já trabalhamos juntos na mesma empresa, não merece em absoluto o que está passando. Tenho a certeza de que nada será provado contra ele.
Mas a questão não é essa. O ministro deu mostra de afoiteza mal-informada. O que estarreceu a nação foi o fato de a crise do Nacional ter sido revelada ao presidente da República em outubro. Na verdade, antes mesmo de outubro já se sabia mais ou menos de tudo, embora sem os detalhes cabeludos agora divulgados.
E o presidente foi ministro da Fazenda numa época em que o Nacional fazia água -e qualquer pessoa medianamente informada previa que o barco iria dar no que deu. Todos teríamos motivo de orgulho de sermos presididos por um homem que não esperaria a revelação do escândalo para fazer o que era de seu dever.
A pergunta é lícita: o presidente só faz o que deve quando a imprensa revela o crime? Não é motivo de orgulho ter um presidente que cumpre o dever tardiamente, depois da porta arrombada pelos ladrões.

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