São Paulo, quinta-feira, 7 de março de 1996
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O leitor era sua obsessão

LILLIAN WITTE FIBE

Domingo, por causa dos "Mamonas", eram as crianças que choravam.
Hoje, sou eu. Eu e os jornalistas que tiveram o privilégio de conviver ou trabalhar com Perseu Abramo, que morreu ontem, aos 66 anos.
Ele foi meu primeiro chefe. No dia 1º de agosto de 1973, entrei pela primeira vez numa redação de jornal. Estava no segundo ano da faculdade e não sabia sequer o que era "lauda".
Perseu, editor de Educação da Folha de S.Paulo, me ensinou simplesmente tudo: do "lead" (a abertura de uma reportagem) às regras que pautam o jornalismo independente, honesto e imparcial. Foram dois anos de aulas diárias e intensivas.
Aprendia-se com ele que a profissão exige uma boa dose de paixão, muita garra e nenhuma rotina. Azar de quem quisesse, burocraticamente, ter horários certos ou previsíveis e fins-de-semana tranquilos. Perseu sabia que, na hora do incêndio no edifício Joelma, por exemplo, era preciso tirar todos da casa. Haveria uma edição extra da Folha ainda naquela tarde. De repórter novata, habituada a entrevistar professores e alunos, ele me transformou, de repente, em repórter da editoria "Geral". Lá fui eu correndo, ouvir bombeiros e parentes desesperados.
Sempre pronto para o imprevisto, Perseu era excelente organizador, planejador meticuloso e -todos sabíamos- um dos grandes pauteiros do jornalismo brasileiro.
Era homem de esquerda, desses que se recusavam a comprar a casa em que moravam por ser contra a propriedade privada. Mas jamais permitia que qualquer reportagem editada por ele refletisse ideologia. Seus subordinados aprendiam rapidamente a ouvir os dois lados e a jamais reproduzir algo que não fosse imediatamente compreendido pelo mais leigo dos leitores.
Era um guia profissional e moral. Depois que saí da Folha, sentia necessidade de visitá-lo sempre. Demorei muitos anos para deixar de pedir-lhe conselhos profissionais. Se recebesse um convite de emprego, corria para ouvi-lo e só tomava uma decisão depois de falar muito com ele -que, pacientemente, sempre me aconselhava o melhor, depois de ponderar prós e contras.
Em 23 anos de carreira, conheci poucos jornalistas com a força de caráter de Perseu. Nada o faria ser desleal. O leitor era sua obsessão. A honestidade, uma verdadeira mania. Sorte de quem foi seu aluno nos últimos tempos de PUC, sorte de quem, como eu, pôde aprender com ele a exercer a profissão.

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