São Paulo, quinta-feira, 7 de março de 1996
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Na verdade, dois escândalos

ALOYSIO BIONDI

Ilustre colunista nos ensina que é absolutamente correta a solução dada pelo governo à quebra do Nacional: a entrega da "parte boa" ao Unibanco, enquanto o Banco Central (o Tesouro, o contribuinte) ficava com a parte "podre".
Segundo ele, "em qualquer operação atual de engenharia financeira", a melhor opção é "separar a parte boa, vendê-la e, com os recursos amealhados, sanear a parte má".
Data venia, o ilustre colunista há de admitir que esse raciocínio, corretíssimo, não tem nada a ver com a solução dada ao Nacional: o governo FHC fez exatamente o contrário e, por isso mesmo, a operação com o Unibanco deveria ser anulada.
Agindo a "toque de caixa", o governo FHC convidou o Unibanco a escolher tudo o que lhe interessava no grupo Nacional: agências, clientes, empréstimos, empresas coligadas (na área de seguros, cartões de créditos etc.). Tudo que pudesse dar lucro ficou com o Unibanco. Nas mãos do Banco Central, do Tesouro, ficaram só os créditos impossíveis de receber. Não sobrou nada para "sanear a parte má".
Vale dizer: desde o início, não houve nenhuma "operação de saneamento", e sim a decisão pura e simples de fazer o Tesouro engolir o "rombo" do Nacional, calculado, na época, em torno de R$ 2 bilhões.
O país está, portanto, diante de não apenas um, mas de dois escândalos: a "entrega" da parte "boa" do Nacional ao Unibanco é tão ou mais grave do que a omissão do governo diante do "rombo" crescente da instituição "quebrada". Todos os argumentos repetidos no Congresso pelo presidente do BC, para justificar a operação, não correspondem à realidade.
Tesouro paga
Loyola confirmou que até agora o programa de socorro aos bancos (Proer) injetou dinheiro apenas no Nacional/Unibanco. Nada menos de R$ 6 bilhões. Afirmou que as taxas de juros são normais, isto é, sem subsídio do BC (Tesouro): TR mais 11,78%. Nos leilões de títulos da dívida, na semana passada, o Tesouro pagou TR mais 17%. Cinco pontos acima.
O "tumor"
A tese: a queda da inflação, e consequente redução do "lucro inflacionário" dos bancos, colocou a nu um tumor que já existia. A realidade: os bancos voltaram a ter grandes lucros em 1995, de 11% (os grandes) a 30% (os pequenos) sobre o patrimônio. Na realidade, os lucros podem ter variado de 20% a 60%, pois uma parte foi encoberta para reduzir o IR.
Garantias
Loyola diz que o empréstimo de R$ 6 bilhões do Proer recebeu "garantias" de quase R$ 7,2 bilhões do Nacional, "basicamente" créditos do Fundo de Compensação Salarial (saldo de dívidas de compradores de casa própria, que o Tesouro deve pagar aos bancos).
Sem garantias
A história é outra. O Nacional não tinha "garantias a oferecer". O próprio Banco Central "emprestou" o dinheiro para o Nacional comprar os créditos de três grandes bancos. E depois aceitou esses créditos como "garantia". Detalhe: os créditos são negociados no mercado por 35% do valor. O Banco Central os aceitou por 100% do valor. Crédito "podre". Mais rombo.
Mais dívida
A tese: o dinheiro injetado no Nacional/Unibanco não era do governo. Era das reservas que os bancos mantêm no BC. A realidade: os próprios dados estatísticos do governo mostram que houve emissões de bilhões de reais para socorrer o Nacional. E, em seguida, emissão de títulos do governo (ou BC) para retirar esse dinheiro de circulação. Custando juros ao Tesouro.
Perguntinha
Em julho do ano passado, o "socorro" do BC aos bancos deu um salto de R$ 2 bilhões. Além do Econômico, qual banco foi socorrido pelo governo?

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