São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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A importância do Cade

JORGE FAGUNDES

Uma importante instituição brasileira tem sido alvo de profundas críticas.
Trata-se do Cade -Conselho Administrativo de Defesa Econômica-, criado com o objetivo de zelar pela aplicação da legislação de defesa da concorrência nacional, consubstanciada na lei 8.884/94.
O principal argumento levantado por aqueles que não acreditam no papel positivo do órgão para a economia brasileira reside num suposto "trade-off" entre a legislação antitruste e o fenômeno da globalização.
Tal argumento, no entanto, somente revela a falta de conhecimento a respeito tanto das funções do Cade como da natureza -e alcance- da chamada globalização econômica.
A globalização econômica implica o incremento da competição em escala internacional, sendo marcada, sobretudo, pelo aumento dos fluxos internacionais de capitais e de investimentos.
Com a abertura da economia e a retirada de entraves institucionais à entrada dos capitais estrangeiros, os efeitos da globalização estão gradualmente chegando ao país.
Para muitos, a resposta nacional ao desafio da globalização encontra-se nas fusões e aquisições entre grandes empresas, tendo em vista um necessário aumento do porte econômico dos grupos nacionais e a obtenção de economias de escala.
A concentração de mercado resultante deste processo não seria preocupante, posto que as empresas não estariam competindo apenas no mercado nacional, mas sim no mundial.
Em que pese a importância das fusões e aquisições como forma de incrementar a competitividade das empresas em uma economia global, é preciso evitar-se a falsa conclusão de que todo ato de concentração econômica, em qualquer setor da economia, é pró-competitivo, gerando benefícios para os consumidores nacionais.
Duas razões básicas justificam a afirmativa.
Em primeiro lugar, existem inúmeros setores na economia cujos produtos são "non-tradables", isto é, bens cujos elevados custos de transporte os tornam "imunes" à competição internacional.
Nessas situações, o mercado relevante para a autuação das empresas que os fabricam é nacional e mesmo, em alguns casos, regional.
Além do mais, apesar da recente abertura da economia nacional, ainda existem inúmeros produtos "tradables" protegidos por barreiras tarifárias e não-tarifárias.
Em segundo lugar, fusões e aquisições, quando implicam a concentração dos mercados, podem criar condições estruturais para que as empresas com grande poder de mercado exerçam ações prejudiciais à ordem econômica.
Os oligopólios, quando desprovidos de dinamismo tecnológico, permitem a emergência de várias condutas anticompetitivas, não necessariamente associadas à variável preço, que lesam os interesses da sociedade, tais como acordos de exclusividade e vendas casadas.
Nesse sentido, a idéia de que os fluxos de investimentos direto estrangeiros seriam suficientes para "quebrar" qualquer monopólio/oligopólio nacional pode ser falsa: nada garante que a entrada de empresas multinacionais simplesmente não reproduza as mesmas estruturas de mercado oligopólicas em diversos setores da economia nacional.
Diante do exposto, a importância de um órgão como o Cade para a economia torna-se evidente.
Longe de representarem entraves anacrônicos à evolução competitiva da economia brasileira, órgãos de defesa da concorrência como o Cade são instituições fundamentais para a consolidação de um novo - e moderno - padrão de intervenção estatal na sociedade.
Quanto mais liberalizada for a economia, maior a necessidade de regulação e monitoramento do funcionamento dos mercados.
O exemplo cristalino deste argumento pode ser encontrado na força da legislação e instituições antitruste nos EUA, país constantemente citado como paradigma de uma economia de livre mercado.
Tais argumentos não implicam a negação da validade de algumas críticas à instituição e mesmo à legislação antitruste no Brasil.
Mas não se pode transformar críticas quanto ao desempenho da instituição em questionamentos à sua própria legitimidade. Este tipo de questionamento revela somente a presença de interesses particulares feridos e o desejo de, por meio de mecanismos políticos obscuros, alterar ilegitimamente decisões do órgão.
A preocupação maior da sociedade, portanto, deveria estar voltada para o aperfeiçoamento e fortalecimento do Cade, com o objetivo de transformá-lo em uma entidade cujas decisões sejam crescentemente baseadas em critérios técnicos - jurídicos e econômicos - claros, precisos e transparentes.

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