São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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Podre não se vende

LUÍS NASSIF

Ilustre colunista rebate afirmação da coluna, de que foi bom negócio para o BC vender a parte boa do Banco Nacional para, com o dinheiro apurado, sanear a parte podre.
Diz ele que "agindo a toque de caixa o governo FHC convidou o Unibanco a escolher tudo o que lhe interessava no grupo Nacional: agências, clientes, empréstimos, empresas coligadas. Tudo o que pudesse dar lucro ficou com o Unibanco. Nas mãos do Banco Central e do Tesouro ficaram só os créditos impossíveis. Não sobrou nada para sanear a parte má".
Tem sido uma constante nos últimos tempos esta lógica de que quem vende a parte boa e fica com a parte ruim termina no prejuízo.
Termina no prejuízo se entregar a parte boa de graça. Mas se vender -como foi o caso- tudo vai depender do preço que foi pago.
O BC não ficou com a parte boa, mas ficou com R$ 1 bilhão, que foi o preço pago por ela. Pode-se discutir se o preço foi caro ou barato. Mas não ignorar que, afinal, foi pago um preço pela parte boa.
Também não se entende o que o colega quis dizer com a frase "não sobrou nada para sanear a parte má". Por que deveria sobrar?
Se sobrassem partes boas, o que o BC faria com elas? Venderia, é claro.
Ou se presume que as utilizaria para remontar o Banco Nacional, com um pedacinho bom aqui, um podre acolá, um crédito bom ali, uma lista de fantasmas mais além?
Parte má é, por definição, parte inaproveitável, prejuízo realizado. "Sanear a parte má" significa vender da melhor maneira a parte boa, para se ressarcir dos prejuízos já realizados.
Engenharia financeira
O que a coluna afirmou -e que foi contestado pelo analista- é que, vendendo a parte boa, e ficando com a parte podre, o BC apurou mais do que apuraria vendendo o conjunto.
Para comprar porteira fechada, o comprador exigiria um abatimento do preço, proporcional não só ao prejuízo conhecido, como ao prejuízo potencial, os macaquinhos que ainda poderiam aparecer no sótão do Nacional.
Vendendo apenas a parte boa o BC lucrou duas vezes (está se falando obviamente da operação em si, não das perdas decorrentes do episódio como um todo).
1) Ao reduzir a margem de risco, fez com que o comprador pagasse pela parte boa o que se considerou valor de mercado, sem os deságios que prevenissem riscos.
2) Vendeu bens intangíveis (como a carteira de clientes do Nacional), que teriam virado pó se ficassem nas mãos do BC.
O comprador pagou R$ 700 milhões por empresas adquiridas do Nacional. O valor foi calculado com base no patrimônio líquido.
Depois, incorporou clientes que tinham o equivalente a R$ 6,4 bilhões em depósitos no Nacional. Mas não recebeu os depósitos correspondentes. Em outras palavras, adquiriu uma dívida.
Em contrapartida, recebeu o equivalente a R$ 6,4 bilhões em créditos -empréstimos feitos a outros clientes e títulos públicos do Nacional. Na soma final, deu conta zero. Por essa conta zero ele pagou R$ 300 milhões.
Por que se dispôs a pagar por uma conta zero? Porque depois de zeradas as contas, terá a oportunidade de conquistar parte substancial dos correntistas. Este é o produto que o banco comprou e pagou: a carteira de clientes do Nacional.
Se o BC tivesse ficado com a parte boa e a parte má do banco -como pretende o ilustre colunista-, qual seria a equação? A carteira teria virado pó porque os clientes teriam se bandeado para outros bancos, e o BC não teria recebido os R$ 300 milhões de ágio.
A coluna não pretende ensinar os mestres, apenas colocar um pouco de racionalidade nessa discussão.
Ausência
Assessores do ministro Pedro Malan informam que ele não compareceu ao depoimento do presidente do BC, Gustavo Loyola, aconselhado pelos próprios assessores.
Como autoridade superior a Loyola, Malan não poderia permanecer no recinto como mero espectador. Mas por sua própria vontade, teria ficado todo tempo ao lado de Loyola.

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