São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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Especialista americana faz a elegia da obra de Helio Oiticica

Livro traz fotos e trabalhos do artista brasileiro

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

A fotógrafa e sociolinguista francesa Desdémone Bardin, 56, é autora do único livro sobre o artista plástico brasileiro Helio Oiticica (1937-1980) que pode ser encontrado nas livrarias dos museus de Nova York.
O livro é um tributo a Oiticica, que Bardin considera seu "irmão de alma". Escrito em inglês e português, ele reúne uma série de fotos do artista e de seu trabalho tiradas por Bardin entre 63 e 80.
Bardin organizou o livro -que se chama "Helio Oiticica, O Criador da Arte Ambiental"- há três anos, para uma exposição em Paris que fazia retrospectiva da obra do artista plástico brasileiro.
Com seus próprios recursos, ela traduziu o livro para inglês e português e imprimiu alguma cópias para vender às livrarias de museus de arte moderna.
Agora, está à caça de uma editora brasileira e outra americana para que o livro possa ter uma distribuição mais ampla.
"Tenho certeza de que em muito pouco tempo Helio será reconhecido como um dos artistas mais importantes de sua geração. E é um absurdo que não se ache nos EUA com facilidade livros sobre ele", disse Bardin à Folha.
Ela conheceu Oiticica no início de 1963, quando foi ao Brasil fotografar os preparativos do Carnaval para a revista "O Cruzeiro".
"Deveria ficar três meses e terminei ficando três anos. Me apaixonei pelo Rio e por Helio. Nós apreciávamos as mesmas coisas, tínhamos o mesmo tipo de sensibilidade", lembra Bardin.
Foi graças a Oiticica -considerado até hoje um dos mais criativos e inquietos artistas plásticos brasileiros- que a francesa descobriu o samba, Carnaval, macumba e o morro da Mangueira, sua maior paixão até hoje.
Bardin voltou para a França em 1966, mas continuo encontrando-se com Oiticica pelo menos uma vez por ano.
Eles tornaram a se encontraram no Rio em fevereiro de 80 e, quando Oiticica morreu, em 15 de março, Bardin estava em Manaus, na casa do arquiteto Cesar Oiticica, irmão de Helio.
"Estava em Manaus esperando a chegada de Helio. Hoje, sei que fui ao Brasil em 80 não para fotografar, mas para me despedir dele."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Bardin concedeu à Folha, em Nova York, na última terça-feira.
Folha - Como você conheceu Helio Oiticica?
Desdémone Bardin - Fomos apresentados por um amigo em comum, o crítico de arte Clarival Valadares. Ele vivia me falando de Helio porque achava que nós éramos muito parecidos.
Folha - A empatia foi imediata?
Bardin - Helio estava em seu ateliê quando eu cheguei. Começamos a conversar e a impressão que tive foi de que já nos conhecíamos há muito tempo. Não acreditava em reencarnação, nem em espiritismo antes de ir ao Brasil pela primeira vez. Mas hoje tenho certeza de que eu e Helio já havíamos nos encontrado em outras vidas.
Folha - No livro, você conta que estava com Oiticica quando ele descobriu seu primeiro parangolé (espécie de obra de arte que deve ser usada no corpo, pelo artista ou pelo espectador).
Bardin - É verdade. Eu trabalhava para "O Cruzeiro" e andava numa kombi velha atrás de boas histórias. Helio adorava me acompanhar e era o melhor guia possível. Uma vez, estávamos perto da Central do Brasil, quando passamos em frente a um terreno baldio e ele mandou o carro parar. Havia um monte de latas coloridas empilhadas umas em cima das outras. Foi no meio de 63. Chegamos até a hastear um pedaço de pano velho, como se fosse uma bandeira, para celebrar a ocasião.
Folha - Você diz no livro que Oiticica ainda não recebeu o reconhecimento devido.
Bardin - Ele criou o conceito de arte ambiental, hoje usado no mundo todo. Defendeu a interação entre arte e público antes de qualquer um, mas não tem o crédito devido. Nem mesmo no Brasil. Só agora é que suas obras estão sendo mostradas na Europa e nos EUA. Já é um avanço, mas eu só vou sossegar quando o nome Oiticica deixar de ser conhecido apenas por uma elite de intelectuais de esquerda.

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