São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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Previdência: os erros do governo

VICENTE PAULO DA SILVA

A derrota do governo na votação do relatório do deputado Euler Ribeiro à reforma da Previdência deve servir de ensinamento para governantes e parlamentares, que precisam entender a importância de a sociedade ser ouvida nas questões que envolvem grandes interesses nacionais. Não é mais possível em nosso país que se despreze a opinião pública, como se a eleição de um mandatário ou de um parlamentar tenha o condão de tirar do povo o seu sagrado direito de opinar.
Se o governo e os parlamentares que lhe dão sustentação houvessem tido este cuidado desde o início da discussão sobre a reforma da Previdência, os resultados teriam sido outros.
Aliás, desde que o governo encaminhou seu projeto inicial ao Congresso, no início de 1995, a CUT já alertava para o equívoco de se tentar reformar o sistema previdenciário sem uma ampla (e profunda) discussão prévia com a sociedade.
Por isso defendíamos a instalação de uma auditoria que pudesse deixar tais dados à vista do povo, de modo que este pudesse analisar quais mudanças seriam efetivamente necessárias; que situações poderiam realmente ser consideradas privilégios; que sistema seria o melhor para o país.
Mas, ao invés de trilhar este caminho, o governo preferiu o caminho da arrogância, da prepotência e do confronto, que caracterizaram sua ação política principalmente no primeiro semestre de 1995, opção que só veio a ser alterada no início de 1996, quando chamou as centrais sindicais para um diálogo em torno do assunto.
O envolvimento das centrais sindicais -principalmente da CUT- colocou no centro da conjuntura e deu conhecimento amplo à opinião pública de um debate que vinha sendo travado quase sem nenhum conhecimento da sociedade, restrito à comissão da Câmara que analisava o tema.
Mas o principal ganho deste processo foi, a nosso ver, a demonstração inequívoca que a CUT deu à sociedade de sua coerência, de sua autonomia em relação aos partidos políticos e, sobretudo, da maneira responsável com que a Central trata os grandes temas nacionais, sendo firme na defesa dos interesses dos trabalhadores, mas sabendo fazer propostas e sabendo negociar alternativas que busquem melhorar os mecanismos de proteção social a estes trabalhadores.
Foi esta postura que credenciou a CUT a denunciar as inúmeras imperfeições, contradições, prejuízos aos trabalhadores e manutenção de privilégios injustificáveis que o relatório continha, mobilizando os trabalhadores em todo o país e potencializando a ação dos deputados comprometidos com os trabalhadores, quando da votação em plenário.
No aspecto técnico é necessário reafirmar que a CUT tentou -até o último momento- fazer com que o relatório espelhasse com exatidão o que havia sido objeto de entendimento durante as diversas reuniões que realizamos em janeiro e fevereiro.
Neste sentido queremos reiterar os principais aspectos da proposta de nova Previdência, defendida pela CUT, e que foram apresentadas ao governo já em meados de 1995:
1) Criação de um único sistema de Previdência Social, congregando trabalhadores dos setores público e privado, urbanos e rurais, civis ou militares, aí incluídos inclusive juízes e parlamentares, com teto de benefícios de R$ 2.000,00, integrais em relação à última remuneração da atividade, acima do qual atuariam as entidades complementares de previdência, públicas ou privadas.
2) Adoção de um modelo de gestão quadripartite, onde a administração da seguridade social, e da Previdência em particular, sejam entregues a um conselho, composto por trabalhadores ativos, inativos, empresários e governo, e onde cada parte integrante tenha o mesmo peso e o mesmo poder decisório e de fiscalização do sistema.
3) Adoção de um modelo contributivo que privilegie e incentive a contratação de mão-de-obra, por meio da redução de alíquotas sobre a folha de salários, com compensação nas alíquotas sobre a receita, o faturamento ou o lucro.
4) Recuperação do poder de compra dos benefícios em manutenção, restabelecendo seu valor inicial à época da concessão.
5) Estabelecimento de um processo de transição para o novo modelo, que leve em consideração as expectativas de direito e os direitos adquiridos dos segurados dos atuais regimes.
Para chegarmos a tais discussões e mesmo a tais mudanças, entretanto, é preciso que o governo e os partidos que lhe dão sustentação comprovem a vontade política de realmente buscar a melhoria do sistema de seguridade social, e em especial o de Previdência Social no Brasil.
Se a tônica for esta a CUT não se furtará ao debate; mas se esta voltar a ser a desconstitucionalização e a privatização a todo custo, não contem com a Central Única dos Trabalhadores.
A palavra está agora com o governo.

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