São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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Os compromissos de Pequim

LUIZA NAGIB ELUF

No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, é importante lembrar a Conferência Mundial de Pequim, pois trata-se de um marco fundamental em que se baseará, nos próximos anos, a luta das mulheres pela realização de seus direitos.
A 4ª Conferência Mundial Sobre a Mulher, da Organização das Nações Unidas, ocorreu em setembro de 1995, na China, contando com expressiva participação de representantes de todo o mundo, num total estimado de 50 mil pessoas.
Como participante da conferência em sua esfera intergovernamental, posso assegurar que as delegações demonstraram enorme interesse pelas matérias discutidas, em sessões que, não raras vezes, se prolongaram madrugada adentro. Os avanços obtidos foram significativos.
O principal documento produzido pela Conferência é a "Plataforma de Ação". Trata-se do mais completo diagnóstico da situação da mulher no mundo e nas respectivas sociedades, como também um guia detalhado das ações a serem executadas por Estados, organizações, meios de comunicação, famílias e indivíduos, para a superação das discriminações de gênero.
Assim a "Plataforma" da Conferência da Mulher, cuja versão em inglês tem 123 páginas, além de reafirmar os compromissos da Conferência de Direitos Humanos de Viena, no sentido de que "os direitos humanos da mulher e da menina são parte integrante, inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais", ainda reitera que as peculiaridades culturais não podem servir de justificativa para as violações dos direitos humanos femininos.
Tal assertiva é importante quando lembramos das amputações sexuais das meninas muçulmanas, da privação de liberdade nos haréns, dos estupros sistemáticos em tempos de guerra, das escravas sexuais, da exploração sexual de crianças e adolescentes e dos assassinatos de mulheres cujos responsáveis são absolvidos com base em aspectos culturais.
No Brasil, por exemplo, a tese da "legítima defesa da honra", que durante muito tempo serviu de pretexto à absolvição de assassinos de mulheres, constitui uma justificativa inaceitável diante das idéias hoje internacionalmente consolidadas.
O documento de Pequim interpreta a violência contra a mulher como "uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que levaram à dominação do homem sobre a mulher, à discriminação contra mulheres e à prevenção do avanço pleno da mulher". Assim, os Estados devem abster-se de invocar qualquer costume, tradição ou determinação religiosa para elidir suas obrigações com respeito à eliminação dessa violência.
Os direitos na esfera da sexualidade e da reprodução femininas foram os que encontraram maior dificuldade na aprovação por parte de algumas delegações oficiais. A expressão "direitos sexuais da mulher" sofreu oposição absoluta dos países islâmicos e católicos fundamentalistas.
O conceito genérico, porém, recebeu aprovação, assegurando-se que "os direitos humanos da mulher incluem seu direito a ter controle e decidir de forma livre e responsável sobre as questões atinentes à sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual, sem coerção, discriminação e violência".
Com relação ao aborto, caminhou-se no sentido da sua legalização, reconhecendo-se que "o aborto inseguro (leia-se ilegal) ameaça a vida de um grande número de mulheres, representando um grave problema de saúde pública, na medida em que são as mais pobres e as mais jovens que correm o mais alto risco".
Assim, recomenda-se aos governos "considerar a possibilidade de rever as leis que prevêem medidas punitivas contra mulheres que se tenham submetido a abortos ilegais". O Brasil é um dos países que precisa rever seu Código Penal.
Com tudo isso, a caminhada das mulheres ainda está no início. Séculos e séculos de opressão não se dissipam de uma hora para a outra, como resultado de algumas conferências. Da maior importância, porém, são os compromissos assumidos: poderemos cobrá-los, agora, em qualquer lugar do mundo.

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