São Paulo, sábado, 9 de março de 1996
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Artista usa drogas como metáfora

CELSO FIORAVANTE

CELSO FIORAVANTE; MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Tomaselli se interessa pelo 'mito da viagem'

O artista plástico californiano Fred Tomaselli, 39, cria suas "pinturas" com uma matéria-prima insólita. Em vez de tintas e pigmentos, usa medicamentos (calmantes, analgésicos, estimulantes) e drogas como Ecstasy, LSD, cocaína, gravetos e folhas de maconha.
Em dezembro, ele vem ao Brasil mostrar alguns desses trabalhos em uma coletiva que reunirá ainda os artistas Nayland Blake, Charles Spurrier, Sharon Ellis, Lewis Desoto e Lisa Yuskavage.
A mostra faz parte de um intercâmbio entre a galeria paulistana Camargo Vilaça e a Christopher Grimes Gallery, de Santa Mônica. Antes, em novembro, a Camargo Vilaça terá mandado para lá obras de Jac Leirner, Ernesto Neto, Rosângela Rennó, Maurício Ruiz e Valeska Soares.
Em entrevista por telefone à Folha, de Nova York, Tomaselli falou de sua infância, de sua relação das drogas e de suas influências.
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Folha - Por que você escolheu drogas e não outro tipo de material repetitivo para seus trabalhos?
Fred Tomaselli - Minha primeira razão foi que eu estava interessado no mito da pintura como uma janela para uma outra realidade, e em vários conceitos que se ligam a esse mito, a idéia de perder-se e transcender quando você cria uma grande obra de arte. A idéia da arte enquanto um meio de transporte para nos levar de um lugar onde estamos para o lugar onde a pintura está. Eu vejo a pintura primeiramente como pertencente a essa mitologia da viagem.
Também acho que a experiência da pintura se assemelha à das drogas psicodélicas, como numa viagem. A idéia de entrar em um espaço transcendente, em mover-se no sublime, a idéia de se sentir bem, a idéia do prazer e do desejo.
Folha - Seus trabalhos têm influências da cultura tradicional islâmica?
Tomaselli - Meu contato com a arte islâmica e com arte asiática vieram com o psicodelismo dos anos 60. A cultura pop e o psicodelismo é que basicamente me levaram a investigar as miniaturas islâmicas, persas, indo-européias, indianas, do subcontinente asiático e tonka, do Tibete.
Também tenho muitas influências da cultura ocidental, como o romantismo alemão, a tradição paisagística de Caspar David Friedrich (1774-1840) ou da escola paisagística americana, de Fredrich Church (1826-1900). Também fui influenciado pelo movimento "cool"da costa leste, e por Andy Warhol e outras formas de arte, como a poesia e a propaganda. Estou interessado em que todas essas influências emerjam juntas.
Folha - Art nouveau e decô também são influências?
Tomaselli - Nem tanto. Minhas influências foram basicamente pós-Warhol, para falar honestamente. Eu cresci na Califórnia, vizinho da Disneylândia. Eu conseguia ver o castelo da Cinderela e seus fogos de artifício pelo ar todas as noites. Eu venho de uma região hiper-realista do planeta, um lugar onde muitas vezes, de alguma maneira, você se mistura em várias realidades, mais do que em qualquer outro lugar.
Eu sempre achei que no sul da Califórnia estava o futuro. E ele estava acontecendo em todo lugar, a todo momento. Crescer lá é, na verdade, nunca descobrir como a realidade pode ser. Eu vi minha primeira cachoeira na Disneylândia e quando eu vi a primeira real, não acreditei que ela não fosse controlada por comportas e eletricidade. Isso explodiu minha cabeça.
Folha - Você já teve algum problema com a legislação norte-americana em relação às drogas?
Tomaselli - Não, mas tive problemas na França. Há alguns anos, na alfândega, eles pegaram todos os meus trabalhos. Minha exposição estava para ser inaugurada e foi, mas sem os trabalhos. A galeria exibia muita arte conceitual e eu abri a mostra com a galeria vazia e muitos pensaram que aquela era a minha arte. E eu fiquei explicando o que acontecera. No final, acho que as pessoas ficaram até desapontadas em saber que eu era mesmo um pintor. Era uma boa idéia mostrar a galeria vazia.
Folha - Você usa drogas quando você pinta?
Tomaselli - Às vezes fumo um baseado quando estou criando, mas basicamente fumo cigarros e bebo muito café. Estas são as grandes drogas na minha vida. Álcool e tabaco são as maiores drogas da sociedade americana e as duas estão legalizadas.
Eu já usei de tudo, mas sou bem classe média. Ouço minha música, fumo meu cigarro, bebo meu café, mas não estou realmente interessado em tomar muitas drogas. Estou muito ocupado. Tenho coisas muito mais interessantes para fazer que tomar drogas. Não faço por razões de saúde e também porque acho que é muito chato tomar muitas drogas.
Não sou necessariamente favorável às drogas. Sou uma pessoa interessada nas drogas como uma metáfora, mas que foi moldada na contracultura. Meu background é totalmente ligado às drogas, mas eu consigo ver muitos problemas nelas. Elas podem ser positivas ou negativas. Depende muito mais de você. Hoje eu uso as drogas necessárias para eu me sentir feliz, mas não para interferir na minha vida.
Acho que eu posso falar de drogas em meu trabalho por que agora eu posso ter clareza para saber o que elas significam para mim. Eu não poderia fazer o que eu faço se eu não tivesse me envolvido com drogas.

Colaborou Marcelo Rezende, da Reportagem Local

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