São Paulo, sábado, 9 de março de 1996
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SARNEY E A MAGIA

A política brasileira e, dentro dela, o ex-presidente e presidente do Congresso, José Sarney, parecem um desses contos do realismo mágico em que se especializaram escritores latino-americanos nos anos 70 e 80.
A lógica e a sabedoria convencional indicariam que o comando da oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso ficaria nas mãos de Luiz Inácio Lula da Silva e/ou Leonel Brizola, adversários por ele derrotados na campanha eleitoral.
Mas Lula e Brizola mergulharam no ostracismo quase absoluto, e quem emergiu como chefe da oposição foi José Sarney, embora pertença, para acentuar o paradoxo, a um partido (o PMDB) que teoricamente dá sustentação parlamentar ao governo.
Como se fosse pouco, é preciso lembrar que José Sarney deixou o Palácio do Planalto com a popularidade reduzida a escombros, até porque a inflação, no final de seu mandato, chegou a 80% mensais.
Atacar Sarney era, então, uma catapulta certa para o sucesso. Tanto que quem mais o atacou na campanha presidencial de 1989 (Fernando Collor de Mello) foi quem se elegeu.
Hoje, mostram as pesquisas, Sarney recuperou muito da popularidade que não tinha ao terminar sua gestão. E recuperou-a, para reforçar o realismo fantástico dessa história, sem ter feito nada, a não ser cultivar a memória do Cruzado. O Real, teoricamente, seria suficiente para desmanchar o prestígio recuperado de Sarney. Vinte meses após a sua implantação, o Real goza de apoio popular, o que, se prevalecesse a lógica, mataria a memória dos escassos nove meses em que o Cruzado de Sarney sobreviveu, antes do estrepitoso naufrágio.
Não está sendo assim, no entanto. Sarney é, hoje, nitidamente, o segundo homem da República com um poder que, por vezes, lembra o que Ulysses Guimarães exercia quando Sarney era presidente.
Só falta escrever os capítulos finais dessa história de descompasso entre a lógica e a realidade. Pelos antecedentes, nem mesmo um Gabriel Garcia Márquez ousaria antecipar a forma que enfim tomarão tais capítulos.

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