São Paulo, domingo, 10 de março de 1996
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'Custa sair da guerra'

ESTEBAN BUSTAMANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

É muito difícil voltar à vida normal. Custa sair da guerra. Mas a gente se sente obrigado a superar o sofrimento para dar apoio aos que padecem mais.
Ainda sofro uma tristeza imensa quando vejo o que se passa com os meus companheiros mesmo depois de tantos anos. Também enfrentei essa situação quando voltei.
Sentia angústia, não queria sair de casa. Conseguia dormir apenas três ou quatro horas por noite e, ainda assim, os pesadelos me despertavam a todo momento.
As dificuldades que enfrentei durante toda a minha vida me tornaram uma pessoa forte. Agora eu consigo pensar no futuro. Antes, era só na guerra.
Há alguns meses, um companheiro veio pedir minha ajuda. Estava desesperado porque havia perdido o emprego e sua camionete, que poderia ser um meio de vida, estava quebrada.
Ele ameaçava jogar-se diante de um trem. Fomos à minha casa e estivemos conversando durante horas. No final, desistiu de sua idéia.
No ano passado, enfrentei outro tipo de problema. Os professores de meu filho Pablo Gonzalo queriam reprová-lo porque seus desenhos eram sempre relacionados com guerras.
Tive de reagir, e os professores voltaram atrás. Agora, ele está no terceiro ano do primário. É quem mais me dá apoio. A família ajuda a tirar a gente da depressão.
Quando fui convocado, os oficiais não nos avisaram que íamos às Malvinas, não falaram sobre o frio e a umidade de lá.
Lá, saíamos a explorar regiões e a buscar o inimigo. Em um combate, meu melhor amigo caiu morto encima de mim. Levara um tiro na testa. Seu sangue escorreu por meu corpo. É uma lembrança dura.
Depois tivemos de caminhar cerca de dois quilômetros por um descampado, onde podiam ser vistos dezenas de ingleses mortos.
Andava e pensava: vocês me tiraram um companheiro, mas receberam o troco. Logo depois tivemos de nos render.
Ainda não aceito essa decisão. Fizemos tanto sacrifício. Agora não temos outra alternativa senão lutar com lápis e papel.

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