São Paulo, domingo, 10 de março de 1996
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Peres pede a Arafat ação contra o Hamas

CHRISTOPHE BOLTANSKI e PIERRE HASKI

CHRISTOPHE BOLTANSKI; PIERRE HASKI
DO "LIBÉRATION"

Primeiro-ministro de Israel afirma que a sua principal preocupação é manter a paz, e não vencer as eleições

Sob uma foto que o mostra em companhia de Yitzhak Rabin, o antigo ocupante deste grande escritório, o premiê de Israel, Shimon Peres parece preocupado, em meio à onda recente de atentados em seu país, que deixou 62 mortos.
Ainda antes de o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Iasser Arafat, seu aliado, começar a endurecer suas posições contra o Hamas e lançar publicamente a idéia de uma reunião de cúpula contra o terrorismo, prevista para quarta-feira, Peres já cobrava do líder palestino medidas duras contra os fundamentalistas islâmicos. Leia a seguir trechos da entrevista concedida pelo premiê:
*
"Libération" - O senhor está a par das divergências surgidas no interior do movimento fundamentalista islâmico?
Peres - Isso não é importante. Se as pessoas semeiam o terror, são elas as responsáveis pela violência. Teses acadêmicas sobre o Hamas não me interessam. O que pedimos é uma autoridade responsável pelas armas e pela segurança.
"Libération" - O senhor aceita a idéia de Arafat negociar com os radicais islâmicos?
Peres - Se é sobre os problemas políticos, isso não nos diz respeito. Mas sobre o terror, a segurança, as Forças Armadas, a mensagem só pode ser uma. Pode-se fazer uma coalizão política, mas não militar.
"Libération" - No entanto, houve vários atentados frustrados por Arafat, e a cooperação parecia estar funcionando melhor.
Peres - Isso é verdade em parte. Arafat realmente impediu alguns atentados contra Israel, mas ao mesmo tempo não prendeu seus organizadores. Achamos que o responsável pelo atentado de Jerusalém estava em Ramallah (cidade autônoma palestina situada 20 km ao norte de Jerusalém), na zona controlada por Arafat. Demos o nome dele a Arafat, assim como os de outros responsáveis que se encontravam em Gaza. Existe uma lista, e ele precisa prendê-los.
"Libération" - Os recentes atentados provocaram uma ascensão da direita nas pesquisas. O que o senhor acha disso?
Peres - Acho que o Hamas é favorável àqueles em Israel que são contrários à paz. Eles próprios são contrários à paz e procuraram em Israel um grupo que não tivesse a mesma política.
"Libération" - Como o senhor irá convencer os israelenses?
Peres - Essa queda nas sondagens se deve aos atentados, nada mais. Não vou mudar minha política. Continuo aberto à paz, e firme contra o terrorismo. O objetivo não é apenas ganhar as eleições (previstas para 29 de maio), mas dar continuidade à mesma política.
"Libération" - Ainda há, em meio à população de Israel, pessoas capazes de repetir o ato cometido contra Rabin?
Peres - Há um pequeno grupo de indivíduos capazes disso, sim.
"Libération" - O que o senhor sentiu ao ouvir essas pessoas, nos locais dos atentados, lhe prometerem o mesmo destino de Rabin?
Peres - De um lado há a ameaça, do outro a esperança. Sou sensível à esperança, não às ameaças.
"Libération" - O senhor não tem um problema de imagem no campo de segurança? Existe a tendência a opor Rabin, o militar, a Peres, o diplomata.
Peres - Sou um homem, não uma imagem. E quero continuar sendo um homem. Sempre se disseca a imagem de alguém, mas o que realmente importa não é a pessoa e sim os meios e as políticas. Não devemos esquecer que Rabin também era criticado por todos. Qual é a diferença?
"Libération" - O processo de paz correrá perigo se o Likud vencer as eleições?
Peres - Ficará paralisado, é evidente. Voltaremos a um estado de confronto. O senhor realmente acredita que a construção de novos assentamentos será útil à paz?
"Libération" - Ainda é possível chegar a um esboço de acordo com a Síria antes das eleições?
Peres - Teoricamente, sim. Na prática, não tenho certeza, porque os sírios avançam em ritmo lento.
"Libération" - Se o senhor ganhar as eleições, os sírios se disporão a acelerar o ritmo?
Peres - Existe uma possibilidade disso. Os sírios nos disseram que eles desejavam chegar à paz antes do final deste ano.
"Libération" - O senhor já foi muito criticado por seus sonhos de um novo Oriente Médio. O senhor pode dizer aos israelenses, hoje, que esse sonho continua atual?
Peres - Sim, sem dúvida. Mantemos relações com sete Estados árabes. Isso, que parecia um sonho, já se tornou realidade. A cooperação econômica se encontra em andamento. No prazo de três ou quatro anos passamos por toda uma revolução. O Oriente Médio de hoje não é o mesmo de ontem.
"Libération" - Essas eleições serão um referendo sobre a paz?
Peres - É uma escolha entre a política de ontem e a de amanhã. Os israelenses continuam divididos. A lembrança é sempre mais forte do que a mais sábia das previsões. Mas uma revolução está acontecendo no mundo, em silêncio. Se eu tivesse de reescrever meu livro, não o chamaria "O Novo Oriente Médio", mas "O Oriente Médio num Mundo Novo". Foi o mundo que mudou.

Tradução de Clara Allain

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