São Paulo, domingo, 10 de março de 1996
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A reforma agrária possível

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA; JORGE VIANA

É preciso acabar com a violência e deixar de tratar os trabalhadores rurais como se fossem bandidos
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
JORGE VIANA
Há muitos anos se discute a reforma agrária no Brasil. O PT, em seus 16 anos de vida, jamais deixou que essa questão ficasse esquecida e insistiu, durante todo o período da chamada "transição", que a democracia brasileira não estaria consolidada se o povo não tivesse acesso à terra.
Hoje vemos a reforma agrária novamente na pauta. E da pior maneira possível: líderes de trabalhadores sem-terra são presos, acusados de formação de quadrilha por latifundiários que sempre tiveram armas guardando suas cercas. O governo limita-se a repetir o refrão que tantas vezes ouvimos na ditadura: "Não negociamos sob pressão". Passada a pressão, volta-se a não fazer nada.
Durante os últimos anos o problema vem se agravando. Enquanto a miséria crescia nas cidades e a concentração da terra aumentava os sucessivos governos executaram burocraticamente um arremedo de reforma agrária, dispendioso e inútil.
Os resultados são tristes. Quem conhece de perto os assentamentos oficiais sabe que não são nem sequer uma solução paliativa. Na Amazônia ficaram conhecidos como "campos de concentração", onde milhares de famílias eram condenadas ao abandono. No projeto Pedro Peixoto, no Acre, mais de 30% dos lotes já retornaram às mãos dos latifundiários e nos demais a situação é parecida.
Mas as soluções existem. Elas estão nas iniciativas não-governamentais, nas cooperativas e associações de agricultores, projetos que encontram apoio até no exterior, mas só recebem indiferença das políticas oficiais.
No Acre, bem ao lado do fracassado assentamento Pedro Peixoto, uma cooperativa de agricultores desenvolve o projeto Reca, exemplo de agricultura perene adaptada à região amazônica. Alguns quilômetros adiante, a cooperativa dos seringueiros de Xapuri produz castanha para a Europa.
E a prefeitura de Rio Branco desenvolve nos pólos agroflorestais uma experiência bem-sucedida de reforma agrária em áreas ambientalmente degradadas que passaram a ser produtivas em menos de um ano.
Esses locais já foram visitados por ministros e a primeira-dama Ruth Cardoso tomou café da manhã com os agricultores no pólo agroflorestal de Rio Branco que, aliás, recebeu apoio da Sudam e do Ministério do Meio Ambiente para sua implantação.
Ora, se os órgãos técnicos do governo apóiam e se as autoridades conhecem essas iniciativas, por que não são transformadas em políticas oficiais?
Não é fácil dar essa resposta. Mas talvez possamos entender as contradições de um governo que, no auge do debate sobre reforma agrária, presenteia os latifundiários com a possibilidade de contestar áreas indígenas já demarcadas. E que se curva à bancada ruralista, perdoando o calote de usineiros contra o Banco do Brasil.
Mas nós insistimos e dizemos que não existe uma reforma agrária a ser feita, mas várias. Cada região necessita de soluções diferentes. E quem pode fazer isso? A nosso ver, os municípios têm uma importante contribuição a dar. Façamos contas rápidas. O Brasil tem mais de 5.000 municípios. Se apenas mil receberem apoio do governo federal, se cada um deles assentar apenas cem famílias, teremos quase o triplo dos assentamentos que o governo diz ter feito em um ano.
E essas famílias não serão simplesmente jogadas num lote distante, sem assistência. É possível dar escola, agente de saúde, energia elétrica e transporte, como a Prefeitura de Rio Branco está fazendo para as 200 famílias É preciso fazer uma reforma tributária corajosa que siga adiante no rumo adotado pela Constituição de 88de seus pólos agroflorestais. Dessa forma junta-se a reforma agrária a outras questões emergenciais: saúde, educação, habitação, combate ao desemprego e à fome, produção agrícola e preservação ambiental. E o custo de uma família que recebe tudo isso chega a ser 90% menor que o de uma família jogada pelo Incra numa área inóspita. É preciso fazer uma reforma tributária corajosa que siga adiante no rumo adotado pela Constituição de 88, da descentralização, do fortalecimento de Estados e municípios.
É preciso fazer parceria com as organizações não-governamentais. É preciso acabar com a violência e a impunidade e deixar de tratar os trabalhadores rurais como se fossem bandidos. É preciso ouvir as propostas e reconhecer as experiências de organizações como CUT, Contag e MST. É preciso, em suma, não só administrar o país, mas ter a vontade de mudá-lo.
Mas é preciso, sobretudo, ter a humildade de conversar com quem conhece os problemas e as soluções. Talvez o presidente da República possa fazer isso se incluir no roteiro de suas viagens uma visita ao Brasil.

Luiz Inácio Lula da Silva, 50, é membro do diretório nacional do Partido dos Trabalhadores. Jorge Viana, 36, engenheiro florestal, é prefeito de Rio Branco (AC).

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