São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nivelando por baixo

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO

A redação final da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) já foi enviada para apreciação da Câmara Federal. Deve ser votada em caráter de urgência. O substitutivo aprovado no Senado, de autoria de Darcy Ribeiro, é o resultado de oito anos de discussões, concessões e acordos, absolutamente pertinentes em se tratando de assunto de tamanha relevância.
O saldo é positivo. Mas uma alteração de última hora, proposta pelo senador Antonio Carlos Magalhães, poderá trazer sérios malefícios à educação brasileira, pois interfere em dois pontos básicos para o desenvolvimento científico-tecnológico do país.
Refiro-me à necessidade da formação de recursos humanos cada vez melhor qualificados e ao aumento imprescindível da massa crítica de pesquisadores, com a consequente ampliação das nossas linhas de pesquisas básica e aplicada.
Essas duas condições, fundamentais para a geração do conhecimento do país, para a necessária transferência de tecnologia ao setor produtivo e asseguradas pela pós-graduação, estão ameaçadas pelo art. 51 da nova LDB.
O artigo foi modificado pela emenda nº 226, que alterou o substitutivo de Darcy Ribeiro, o qual exigia das universidades públicas e privadas um corpo docente constituído por no mínimo 51% de mestres e doutores.
A emenda Antonio Carlos Magalhães substituiu a necessidade dos títulos de mestre e doutor pelo certificado de conclusão em nível de especialização, modalidade de pós-graduação "lato sensu" regulamentada pela resolução nº 12/83 do extinto Conselho Federal de Educação.
Assim a LDB deixa de contemplar um fator primordial para o aprimoramento da educação superior.
Docentes formados em cursos de especialização de 360 horas, com regulamentação extremamente flexível e com controle e avaliações periódicas inexistentes ou pouco rigorosas, não podem substituir os mestres e doutores oriundos dos cursos de pós-graduação "stricto sensu", os quais são melhor regulamentados e periodicamente avaliados pelo MEC com rigor.
Deve ser ressaltado que os cursos de especialização oferecem uma formação muito específica, com enfoque no aspecto técnico e profissionalizante, deixando de realizar uma análise crítica do conhecimento transmitido. Docentes com esse tipo de orientação carecem de uma formação interdisciplinar e da reflexão crítica indispensável ao ensino universitário.
Pelas mesmas razões não são os mais indicados para o desenvolvimento da investigação científica e consequente transferência de tecnologia à sociedade. E aqui deve-se lembrar que a Constituição (artigo 207) define que as universidades obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Portanto, para o exercício pleno das funções que a Carta Magna lhe confere e para o desempenho que se espera de uma universidade, pública ou privada, a presença em seus quadros de mestres e doutores é indispensável.
Considerando-se que o setor educacional privado é responsável pela formação de cerca de 60% dos estudantes do ensino superior, é imperiosa a melhoria do padrão dos seus cursos, meta que não pode ser dissociada da qualificação acadêmica e profissional dos seus docentes.
A alegação de que os cursos de pós-graduação existentes não teriam condições de fornecer recursos humanos suficientes para formar os quadros docentes das nossas universidades com 51% de mestres e doutores perde consistência em razão do artigo 89 da nova LDB.
De fato, o parágrafo 2º desse artigo estabelece que, para tanto, as universidades teriam o prazo de oito anos ou até que o sistema de pós-graduação consiga oferecer condições para a formação, em mestrado e doutorado, dos atuais docentes.
Portanto, a supressão da especialização como condição suficiente para o exercício da docência no ensino superior evitaria o nivelamento por baixo das nossas universidades.
Contribuiria ainda para aprimorar a nova LDB, que contém aspectos positivos, dentre os quais devem ser ressaltados: exigência de carga horária mínima de 800 horas/aula, ministrada durante um ano letivo de, no mínimo, 200 dias; exigência de qualidade no ensino noturno; definição de competências da União, Estados e municípios; atribuição da União em definir parte do currículo e de promover avaliações periódicas em todos os graus e modalidades de ensino.
Essas definições permitirão uniformizar e aprimorar a educação de 1º e 2º graus. Deve-se elogiar, ainda, o controle por parte da União dos recursos destinados à Educação.
Algumas dessas diretrizes serão de difícil implantação e controle, mas o balanço final será muito positivo se for alterado o artigo 51, o que incentivaria a pós-graduação e permitiria o necessário avanço de qualidade nos nossos quadros docentes.

Texto Anterior: Sivam, o epílogo
Próximo Texto: Nova Folha; Acima de 60; Restauração do Pelourinho; Morte de Taiguara; Recado a David Zingg; Recepção a Fujimori; Banco Central; Críticas à Câmara
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.