São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 1996
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Sivam, o epílogo

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Aproxima-se enfim de seu desenlace o episódio melancólico da aprovação pelo Senado do empréstimo do Eximbank ao contrato entre a empresa americana Raytheon e o governo brasileiro para a implantação do Sivam.
O último capítulo foi a surpreendente declaração do presidente do C. C. Sivam. Pretende ele que a tarefa de agregação dos vários subsistemas que compõem o Sivam, incluindo o software integrador, ficará a cargo de equipe brasileira, devido à necessidade de sigilo. Mas o contrato que está para ser consolidado pela aprovação do empréstimo pelo Senado exige que o Sistema de Integração seja inteira e exclusivamente desenvolvido e implantado pela americana Raytheon.
Como brigadeiro não mente, somos obrigados a concluir que esse contrato será violentado no seu âmago. Mais ainda, concluímos que o governo está sendo induzido a assinar um contrato internacional com intenção premeditada de burlá-lo, o que constitui crime de falsidade ideológica.
Fomos reiteradas vezes tranquilizados por declarações peremptórias de porta-vozes e mandatários do C. C. Sivam de que a participação da indústria brasileira seria "maximizada".
Foram mencionados com frequência percentuais de 39 ou 40 pontos. Não obstante, no contrato que está para ser firmado, apenas 11% do total a ser despendido com bens industriais e engenharia podem ser utilizados no Brasil (quando incluídas as obras civis, esse percentual sobe para 19%).
O que é destinado para a indústria e engenharia nacionais, especificamente US$ 155 milhões, mal chega para a aquisição das aeronaves da Embraer.
Podem ser mencionadas mil empresas brasileiras em quantos anexos ao contrato possam existir, que não muda a estrita determinação de que apenas 11% serão dedicados à indústria e à engenharia brasileiras. E com isso a inteligência brasileira está excluída do Sivam com a consequente impossibilidade de apropriação tecnológica.
Entretanto, como brigadeiros não mentem, só podemos concluir que o contrato com a Raytheon, também sob esse aspecto, não será honrado pelo governo brasileiro.
Esse tópico envolve uma segunda incongruência dos sivanautas. Afirmam que a participação da indústria nacional será expressiva e, ao mesmo tempo, negam qualquer competência da tecnologia brasileira.
Para convencer a opinião pública desmentem a existência de exportações brasileiras consideráveis de equipamentos de proteção ao vôo.
Uma única lista de aparelhos e sistemas instalados no exterior inclui Portugal, Filipinas, EUA, Bahamas, Espanha, Líbano, Guatemala, Kwait, Islândia, Equador, Costa Rica, Honduras, Colômbia, África do Sul, Turquia, Estônia, República Dominicana, Uruguai e Peru.
Nos EUA adquiriram equipamentos brasileiros a Boeing, a ATT-ATS e o aeroporto de Kansas City. É este último local que opera com um VOR brasileiro, embora um sivanauta ache essa possibilidade "ridícula".
Mas, como brigadeiro não mente, podemos concluir que alguma empresa americana exportou esses equipamentos para o Brasil reexportá-los aos EUA. Nada há de mais maléfico para o país do que essa fé inabalável na incapacidade intelectual brasileira.
Também afirmaram os sivanautas que a mais avançada tecnologia de vigilância de espaço aéreo, denominada OTH ("over-the-horizon"), era tão inadequada que fora mencionada, pela primeira vez e tardiamente, em audiência no Congresso por representante da despeitada perdedora Thompson C.S.F.
Pois bem, o "OTH" é o cerne da proposta preliminar russa.
Porém, como brigadeiros não mentem, temos de acreditar que a proposta russa nunca existiu e que não estamos adquirindo uma tecnologia obsoleta já condenada no resto do mundo, embora fiquemos com a impressão de que com apenas USŸ 500 milhões (e não USŸ 500 mil) pudéssemos desenvolver e implantar o nosso OTH com auxílio da Rússia, da Alemanha ou da Austrália.
O sucesso do Sivam já ressuscitou o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Angra 2, que já consumiu USŸ 5 bilhões, já tem meio bilhão orçado para sua conclusão, mas todo mundo sabe que vai ser necessário muito mais.
E depois de Angra 2, vem a 3. Também retoma forças o decano das pirâmides faraônicas, o gasoduto da Bolívia. Agora são USŸ 5 bilhões. Para ganhar apoio no Congresso, chega ao Rio Grande do Sul e, se precisar, irá até a Bahia. O gasoduto talvez chegue, mas gás mesmo não há.
Logo vão propor a retomada da Transamazônica. E por que não a "Ferrovia do Aço" e, em seguida, o resíduo asfáltico de Paulínia? E, para coroar o bestialógico, lá vem o Maluf com a Paulipetro 2. Afinal, é ou não é festa?

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