São Paulo, terça-feira, 12 de março de 1996
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Interior de São Paulo é Jeca Tatu que ficou rico

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A tomar pelos conflitos de terra que acontecem no Pontal do Paranapanema, o interior do Estado de São Paulo é pior do que o sertão nordestino quando se trata de distribuição de riqueza, de direitos civis, de direitos humanos.
No interior de São Paulo a terra é roxa e a grana rola solta. Os coronéis são ricos, as grandes cidades são ao mesmo tempo potências econômicas e provincianos centros de carro importado e droga -cidades sem alma nem cultura própria, num estágio intermediário entre a metrópole e o nada.
O povo tem pronúncia enrolada, estranha de ouvir; e fala um português capenga, em que imperam ausência de plural e erros de concordância.
Eles vivem quietos lá, como que orgulhosos de alguma coisa que nunca entendi o que é -será ainda orgulho do café?
Ninguém nunca ouve falar do interior paulista, a não ser às vezes, quando estoura um Quércia com sua política escusa, ultrapassada. Ou quando surge mais uma dessas duplas de música sertaneja. Não se sabe por que o "sertaneja", se não há sertão em São Paulo.
Ultimamente esse interior anda em evidência, por conta de seus "delegados-xerifes", que prendem sem-terras a torto e a direito. Por conta de seus juízes-xerifes, que conseguem manter sem-terras na cadeia por mais tempo do que qualquer perigoso bicheiro ou traficante dos morros cariocas jamais pisou no xadrez.
Como Monteiro Lobato era paulista, eu sempre associei a personagem do Jeca Tatu ao caipira paulista. Lembro que, nos anos 60, distribuíam nas nossas escolas ou nas nossas casas, em Recife, folhetos de instrução contra verminoses.
Eram folhetos ilustrados com a imagem de Jeca Tatu cagando no matinho, a barriga inchada de vermes, o amarelão, a inércia. Na minha cabeça de menina, a idéia cresceu assim: nunca ser como Jeca Tatu.
Depois, já vivendo em São Paulo, a figura do Jeca confirmou-se na derivação cômica dela: Mazzaropi. Só muito mais tarde me surpreendi ao descobrir que o interior paulista, de onde vinham Jeca Tatu e Mazzaropi, era outra coisa. Mas essa passagem -a transformação do Jeca Tatu em novo rico- não ficaria bem elaborada na minha cabeça.
Parece que nunca foi tão difícil tentar uma reforma agrária como está sendo no Pontal do Paranapanema, no interior de São Paulo. Fazendeiro paulista é ruralista sem escrúpulos de minar por dentro a tentativa. Para entregar ao Estado terras devolutas, estão exigindo dinheiro alto por supostas benfeitorias realizadas.
Querem receber R$ 1.800 por hectare de desmate e destoca (retirada de tocos de árvores após derrubada) que teriam feito. O governo diz que só paga R$ 350, porque fotos tiradas em 1965 mostram que já não havia mais mata alguma ali (conforme matéria de George Alonso na Folha de 9/3/96).
Toco por toco, no sertão do Nordeste tudo me parece mais honesto e humano -lá só tem graveto, ninguém tem do que se orgulhar. Além disso: o coronel sertanejo não passa de um pistoleiro safado, que faz justiça com as próprias mãos. Melhor isso, quem sabe, do que a selvageria disfarçada em arremedos de lei e Justiça.

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