São Paulo, terça-feira, 12 de março de 1996
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Em defesa da corrupção

ALOYSIO BIONDI

Há poucas semanas, a primeira-dama dos EUA, Hillary Clinton, submeteu-se a um interrogatório policial.
Mais exatamente: atendeu à intimação para prestar esclarecimentos, em inquérito que apura se uma empresa da qual ela era sócia recebeu empréstimos bancários "favorecidos".
No Japão, nos últimos anos, nada menos do que três primeiros-ministros perderam o cargo após investigações que comprovaram ampla rede de corrupção em seus governos, envolvendo partidos, empresários, banqueiros e jornalistas. Não foram apenas "derrubados", enfrentaram processos na Justiça -e um deles está cumprindo pena na cadeia.
Na Coréia do Sul, um dos famosos "tigres asiáticos", dois ex-presidentes da República foram igualmente investigados e processados por corrupção -e, no ano passado, um deles foi para a prisão.
Na Itália, a hoje famosa campanha das "Mãos Limpas", também derrubou primeiros-ministros, e levou grandes empresários à prisão. Não é possível alongar a lista por limitações de espaço.
Mas os exemplos são suficientes para mostrar que o mundo, incluindo-se os países ricos, vive uma nova fase, de uma década para cá, caracterizada pela investigação e combate à corrupção.
Nem nos EUA, nem na Coréia, nem no Japão nem na Itália, e assim por diante, se pensou em "abafar" as investigações.
O Congresso não foi conivente, a polícia não foi conivente, a imprensa não foi conivente.
No Brasil, tem sido diferente. E a história se repete agora, com a criação da CPI para investigar as ligações entre o governo e o mercado financeiro.
Todos os pretextos são usados para torpedear a proposta: ela "colocaria em risco todos os bancos, provocando quebradeira", ou "a economia sofrerá grandes prejuízos", ou ainda "é tudo manobra política, contra o presidente da República".
Ora, no Japão, na Coréia, na Itália, nos EUA, as investigações são feitas, descobre-se um mar de corrupção, os culpados são punidos. A economia não afunda. Os países não mergulham em crises.
O Brasil está no fundo do poço há décadas exatamente porque todas as vezes em que se pensa em começar a investigar diretores, as lideranças de sempre fazem acordos. E abafam tudo.
Bilhões perdidos O controle das empreiteiras sobre verbas bilionárias do Orçamento veio à luz somente no início dos anos 90.
Mudança? Não. Tudo aconteceu por causa da denúncia de um técnico do governo, ao longo de um processo policial (assassinato da esposa). Foi impossível abafar e surgiu a CPI do Orçamento.
Dólares desviados Nas investigações sobre PC Farias, a CPI descobriu pistas sobe os caminhos usados por empresas e bancos para remeterem ilegalmente dólares para o exterior, "roubando" divisas do país, e sonegando impostos.
O deputado José Genoino (PT-SP) disse na época que essa seria a próxima CPI a ser convocada.
Os acordos Após as investigações sobre o "escândalo do Orçamento", foi criada uma CPI para vasculhar os negócios das empreiteiras. Ela não foi instaurada até hoje.
Motivo do "adiamento", segundo o presidente do Senado, José Sarney: ele atendeu a pedido do presidente FHC, "para não atrapalhar as reformas". Explicação dada na semana passada.
Virada O governo FHC montou uma "operação abafa" para torpedear a CPI. Veículos de comunicação, analistas, cineastas repetem os argumentos distribuídos pelo Planalto.
Um deles: é tudo "manobra contra o governo FHC; tanto que os casos de corrupção ou fraudes de outros governantes não foram investigados". Raciocínio invertido. Não o foram, por causa de "operações abafa" como a atual. O país? Perdendo bilhões de dólares e reais. Em crise.

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