São Paulo, terça-feira, 12 de março de 1996
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Estatismo ou liberalismo: o falso dilema

LUÍS PAULO ROSENBERG

Lester Thurow, eminente professor do Massachusetts Institute of Technology, acaba de publicar um livro, "O Futuro do Capitalismo", no qual trata das contradições do capitalismo e de seu enorme potencial de produzir crises.
Trata-se de mais uma importante contribuição ao extenso debate que se trava há décadas dentro das universidades sobre as virtudes e defeitos da economia de mercado.
Esse debate conduz, sistematicamente, à conclusão de que tal sistema usa da forma mais eficiente possível os recursos disponíveis no país, mas sem garantir que a melhor trajetória de crescimento de longo prazo será trilhada, ao introduzir restrições quanto ao padrão desejado de distribuição de renda.
Essas reflexões são oportunas no Brasil de agora, quando, pela primeira vez em 40 anos, pode-se vislumbrar um futuro sem inflação.
Realmente, atrofiamos nossa capacidade de pensar o longo prazo -um exercício de futilidade se não pudermos prever se a inflação, dentro de um ano, será 10% ao mês ou à semana.
Daqui para a frente, ou desenvolvemos o consenso em torno do Brasil que queremos construir ou ficaremos na dependência de uma mão invisível cujo retrospecto histórico não é dos mais brilhantes: o brejo tem sido o destino sistemático das sociedades que abrem mão de programar seu destino.
Nesse esforço, é imperativo descartar, desde logo, os caminhos que passam pela manutenção do gigantismo estatal de hoje.
São comoventes o gingado e o uso da dialética do Serjão para manter a Telebrás sob sua batuta; a mobilização matreira de apoio político à preservação da Vale do Rio Doce sob o domínio da tecnocracia, não menos comovente; e a Petrobrás, então, lutando por transformar a flexibilização do monopólio da exploração do petróleo em letra morta, um espetáculo em maquiavelismo tropical de terceira categoria.
Por enquanto, todos eles se rejubilam com o sucesso alcançado na sagrada missão de manter sob a posse coletiva os meios de produção dos insumos básicos.
Ledo engano, pois apenas estão conseguindo ganhar tempo na inexorável marcha para a privatização.
Tais articulações, junto com a Previdência estatizada defendida pelo neoliberal Vicentinho, o porto de Santos refém dos estivadores e o Proálcool embriagador, levam a uma inconsistência aritmética terminal: o Estado brasileiro está quebrado.
Portanto, ou se desmobilizam ativos de valor econômico, sabendo que logo depois será necessário transferir a missão de produzir bens e serviços ao setor privado, ou o Estado entrará em colapso, com a bancarrota provocando a fuga de capitais domésticos e internacionais e trazendo de volta a visita da velha senhora inflação. Desta vez, com o pique de híper.
A comprovação mais eloquente dessa tendência encontra-se em São Paulo, cujo governador é nacionalmente conhecido por haver imposto ao governo federal a humilhação de subvencionar a viabilização do Banespa estatizado.
Pois bem, essa múmia do pensamento econômico ultrapassado consegue aliar seu senso ético inatacável ao pragmatismo do político e marcar ação pela máxima "sobreviver é preciso".
Covas está cortando gastos em São Paulo com a decisão e firmeza que faltam a FHC.
Já divulgou e trabalha, agora, na implantação de um ambicioso programa de delegação à iniciativa privada da exploração de rodovias e serviços de água e esgotos, chegando mesmo a programar a transferência da administração das penitenciárias estaduais.
Nada como bater no limite da capacidade de financiamento para transformar o perdulário estatizante de ontem no austero privatista de amanhã.
Afinal, de algum lugar precisam surgir os recursos para atender aos anseios da população, pois, sem obras e melhorias, como continuar a carreira política?
Mas, voltando ao nosso projeto Brasil de amanhã: se está morto, só faltando enterrar, que virá no lugar do estatismo que dominou a política econômica no Brasil desde a fundação da Companhia Siderúrgica Nacional de Getúlio Vargas, passando pela Brasília de Juscelino e culminando com as 500 estatais criadas no governo Geisel?
O que procuraremos mostrar, na próxima semana, é que o modelo oposto também não é a solução.
O liberalismo absoluto, com o estado minimalista, sem intervenção da ação pública para dirigir o processo de desenvolvimento nacional, levar-nos-ia a ser um sofisticado Chile para os ricos, cercado por todos os lados por uma gigantesca Etiópia de brasileiros.
Que tal, em vez disso, uma Coréia tupiniquim, com a asiática simbiose entre setor público e setor privado, que se valha do nosso jogo de cintura para ganhar tanto Copas do Mundo como mercados internacionais e na qual a superação da miséria seja tarefa de todos nós, não só do Betinho?

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