São Paulo, quarta-feira, 13 de março de 1996
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Aids: O direito de saber

MÁRIO SCHEFFER

Uma polêmica confunde os pacientes voluntários do protocolo de pesquisa do laboratório Merck, Sharp e Dhome, que testa em São Paulo seu novo medicamento para Aids, o antiviral inibidor de protease indinavir.
Os artigos divergentes dos doutores Artur Timerman e Eduardo Motti, publicados neste espaço, nos remetem a algumas preocupações.
Sabemos que o teste de um novo medicamento em fase 3 em seres humanos é o único meio confiável para avaliar sua eficácia e seu valor prático e o ensaio deve responder à tripla necessidade: científica, médica e ética.
O estudo da Merck, com financiamento volumoso, aval de importantes centros médicos e pesquisadores renomados recrutou, com bom marketing, 800 dos 900 voluntários pretendidos.
Apesar dos critérios rígidos de inclusão, do termo de consentimento informado abordando claramente os possíveis riscos, não foi difícil conseguir interessados num país sem opção terapêutica para tratamento do HIV e Aids e sem os exames diagnósticos e acompanhamento médico minucioso prometidos pelo protocolo de primeiro mundo.
É inquestionável o caráter promissor da nova família de antivirais. Não está em discussão no momento se o indinavir da Merck é mais ou menos potente que os outros inibidores de protease -o saquinavir da Roche e o ritonavir da Abbot.
A dúvida gerada é quanto ao procedimento utilizado para se chegar às informações necessárias sobre a eficácia do produto.
A manutenção no Brasil de um grupo de pacientes tomando indinavir isoladamente é sustentada pela Merck. Mas são muitos -é quase consenso- os infectologistas que, baseados em dados recentes, condenam radicalmente a monoterapia com qualquer antiviral, inclusive o indinavir.
Pode parecer supérfluo questionar a monoterapia com inibidor de protease e sua relação com a qualidade e quantidade de vida de 300 soropositivos, no momento em que doentes de Aids ficam cegos por falta de ganciclovir, agonizam à espera de leitos, não conseguem realizar a contagem de CD4 e sequer encontram a combinação AZT e ddI na rede pública.
As pessoas vivendo com Aids e a sociedade não podem ser iludidas. Temos o direito de exigir que o assunto seja tratado com transparência, ética e responsabilidade. Que fique de lado as interferências emocionais, a disputa de visibilidade e defesa de interesses que às vezes norteiam discussões desse tipo.

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