São Paulo, quarta-feira, 13 de março de 1996
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Espelho, espelho meu

GILBERTO DIMENSTEIN

Ao passar pelos EUA com destino ao Japão, o presidente Fernando Henrique Cardoso discursou na Universidade Stanford, e escolheu como alvo a imprensa. Pegou bem: os meios acadêmicos e intelectuais americanos gostam de espezinhar jornalistas.
Fernando Henrique acusou os jornalistas de simplificar, manipular e distorcer os fatos. Reclamou também do que chama de "atitude adversária", numa descoberta que fez, claro, depois de passar de estilingue a vidraça.
Até porque parte da notoriedade que lhe garantiu virar senador veio da imprensa, onde ganhou coluna, tirando-o do anonimato da academia.
Sem saber (imagino), fez a mesma crítica do presidente Bill Clinton contra os jornais americanos, publicada semana passada numa revista da Universidade Harvard sobre os meios de comunicação.
Clinton disse que a imprensa é movida a "cinismo" e se preocupa com questões "marginais".
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Homens públicos reclamando de jornalistas é tão velho quanto a própria imprensa. Por um simples motivo: a função dos jornalistas é fiscalizar o poder, e ninguém gosta de ser fiscalizado, cobrado, comparado, exigido.
Os homens públicos agem como a bruxa da história da Branca de Neve diante do espelho: só querem elogios.
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O presidente está expondo opiniões que, reservadamente, vêm ruminando desde que virou governo. "Há duas categorias perigosas: jornalistas e economistas. Os jornalistas gostam de publicar tragédia, e os economistas adoram prever tragédia. O problema mesmo é quando os dois se encontram", disse, no ano passado, numa conversa informal.
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O presidente faz bem em criticar a imprensa (embora não concorde com algumas de suas opiniões, movidas, em parte, pelo ressentimento de quem não vê tanto elogio estampado).
Segue um bom exemplo. Na sociedade norte-americana aumenta o interesse pelos bastidores da informação e cada vez há mais pessoas dispostas a discuti-los.
Aumenta o número de organizações para avaliar o desempenho dos jornais; algumas delas comandadas por jornalistas respeitados e experientes.
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Segundo o "The New York Times", na edição de segunda-feira passada, nunca a imprensa americana apanhou tanto, acusada de ser superficial, imprecisa e sensacionalista. E até desinformada.
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A imprensa americana está sob ferrenho ataque, por exemplo, por apresentar a eleição presidencial como se fosse um evento esportivo.
É medido cada segundo dos telejornais para saber se privilegiam o show da política, encenado por candidatos, ou o debate de idéias e propostas. Ganha, disparado, o show.
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No Brasil, a taxa de cidadania cresce, mas ainda é baixa. Os poderes são menos cobrados -o que se estende aos jornais. Quanto mais formos cobrados, comparados e exigidos, melhor para todos. Inclusive para a própria imprensa.
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Por falar em cidadania, recebi uma grave denúncia do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O instituto informa que no Brasil os animais destinados ao consumo recebem remédios à base de nitrofuranos.
Alguns desses remédios estão proibidos nos Estados Unidos por serem cancerígenos.
O Idec encaminhou pedido de esclarecimento aos ministérios da Agricultura e Saúde faz um ano. Até agora, sem resposta.
PS - Está aí um bom assunto para o presidente se ocupar quando voltar do Japão, além da imprensa, é claro.

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