São Paulo, quinta-feira, 14 de março de 1996
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Tributo a um militante, Perseu Abramo

PAUL SINGER

A esquerda brasileira perdeu na semana passada um devotado militante: Perseu Abramo. Abre-se uma lacuna inolvidável nas fileiras dos que sonham com uma sociedade mais igualitária e livre em nosso país e se entregam à luta pela realização desse sonho. Perseu Abramo morreu em plena atividade, no auge de seu espírito combativo e de sua lucidez.
Perseu foi jornalista e professor universitário. Formou-se em ciências sociais na antiga Faculdade de Filosofia da rua Maria Antônia, nos idos dos anos 50. E iniciou sua atividade político-partidária no Partido Socialista Brasileiro. Militavam no PSB, então, seus tios Fulvio, Livio e Claudio, membros de uma geração que, muito antes que a maioria, fundiu num ideário único o socialismo e a democracia, opondo-se aos que defendiam o socialismo "real", que de democrático nada tinha.
Perseu, ao lado de tantos outros (entre os quais me incluo), foi discípulo desses veteranos da luta contra o fascismo e o stalinismo e continuador da mesma.
Em 1965 o governo militar resolveu "simplificar" o sistema partidário, fechando o PSB e todos os outros partidos existentes. Partiu então Perseu para a luta em outros âmbitos. Assumiu um lugar de professor na Universidade de Brasília, então a mais nova de nossas universidades.
Crescentes interferências repressivas indignaram o corpo docente da UNB, que a partir de certo momento resolveu dar um basta. Do confronto que se seguiu resultou a demissão em massa de centenas de professores daquela universidade, expurgo que depois se estenderia às outras universidades brasileiras. Perseu estava na linha de frente, tendo inclusive sido detido naquela ocasião.
Após passar alguns anos lecionando na Bahia, Perseu Abramo voltou às lides jornalísticas em São Paulo. Naqueles anos de chumbo a imprensa estava sob censura prévia e a maioria dos jornalistas se esforçava por furar o bloqueio. Perseu foi um dos que participaram nessa batalha silenciosa, que se travava diariamente nas redações, e que preparou o renascimento democrático do Brasil a partir da segunda metade dos anos 70.
Finalmente, em 1979, o regime militar resolveu abolir o bipartidarismo para possibilitar a divisão das oposições em diversas siglas partidárias.
Muitos socialistas, entre os quais Perseu, começaram a se articular então para recriar o Partido Socialista Brasileiro. Ao mesmo tempo, Lula e outras lideranças sindicais autênticas propunham a fundação de um novo partido de classe, o Partido dos Trabalhadores. Após muitas discussões fraternas, os socialistas em grande maioria decidimos integrar o PT.
Perseu Abramo fez parte da direção nacional do PT praticamente desde o seu início. Foi o diretor de seu primeiro órgão de imprensa, o "Jornal dos Trabalhadores". Lembro-me dele, ao lado de sua companheira Zilá, carregando pacotes de jornais para serem distribuídos nos encontros do PT.
Essa era uma das mais admiráveis qualidades de Perseu: apesar de um dos dirigentes nacionais do partido, jamais se furtou às tarefas manuais mais pesadas ou enfadonhas. Para ele a igualdade era um princípio a ser posto em prática aqui e agora, não um ideal abstrato para um futuro incerto.
Tive o privilégio de conviver com Perseu Abramo durante um ano, durante a administração Erundina na Prefeitura de São Paulo, da qual ele foi secretário de Comunicação.
Lutou ele então com imensas dificuldades, principalmente porque o governo municipal não contava com um mínimo de recursos humanos e materiais para se comunicar de forma eficiente com os moradores da cidade.
Perseu tentou aprovar um projeto na Câmara Municipal que permitiria organizar a secretaria da qual era titular, mas debalde. Foi obrigado a mobilizar seu talento de jornalista para redigir comunicados e manifestos do governo municipal, que publicávamos como matéria paga nos grandes jornais ou imprimíamos para serem distribuídos aos membros dos movimentos sociais e aos usuários dos serviços da prefeitura.
Perseu integrou também o grupo de acompanhamento da ação governamental, que eu secretariava, e fui testemunha de sua sagacidade e retidão de caráter, que em muito contribuíram para que o governo pudesse, apesar das dificuldades imensas, realizar a maior parte de seu programa.
Perseu se foi, inesperadamente. Mas a sua luta continua. Professor querido da PUC de São Paulo, deixa muitos discípulos e amigos que continuarão sua obra. Os petistas sentiremos sua falta por muito tempo.

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