São Paulo, sábado, 16 de março de 1996
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Projeto quer regulamentar cirurgia para mudar sexo

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já aprovado pela Câmara dos Deputados, encontra-se no Senado um projeto de lei que regulamenta as cirurgias de mudança de sexo.
O projeto descrimina a operação de alteração de sexo quando feita em paciente maior e capaz, desde que efetuada a pedido deste e precedida dos exames necessários e de parecer unânime de junta médica.
Embora não haja legislação específica, essas cirurgias têm sido consideradas um crime de lesão corporal grave. São raras as decisões que não consideram doloso o ato de remoção de órgãos genitais.
A nova proposta também prevê a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que a pessoa tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário.
Tendência
Essas mudanças, se aprovadas, irão reafirmar as posições de uma corrente de entendimento jurídico que tem crescido nos últimos anos.
Na visão dessa corrente, as pessoas têm direito à adequação de seu sexo, resguardado constitucionalmente pelo direito à saúde.
Além disso, esse direito deve ser interpretado como um direito inerente à personalidade, já que envolve o direito ao próprio corpo e à identidade sexual.
Tereza Rodrigues Vieira, advogada especializada em transexuais e troca de registro civil, pesquisou o assunto em 15 países europeus.
Com base em pareceres médicos, sociais e jurídicos, ela concluiu que há "uma forte corrente favorável ao reconhecimento do transexualismo, seja por via administrativa, judiciária ou legislativa".
O transexualismo é visto por muitos como um estado patológico. O transexual se identifica psíquica e socialmente com o sexo oposto ao de seu registro civil.
"Ele rejeita seus órgãos sexuais, dos quais quer livrar-se. A convicção de pertencer ao sexo oposto é uma idéia fixa", afirma Tereza.
O direito civil, diz a especialista, considera o sexo como um elemento do estado das pessoas. "Assim, a cirurgia deve ser considerada um tratamento diante do estado patológico do transexual, que rejeita seus órgão sexuais", afirma.
A necessidade da cirurgia seria decorrente da patologia. Sua legalidade, ancorada no direito ao corpo, à saúde e, principalmente, à identidade sexual. E o direito à saúde é amparado pela Constituição.
Exceção
Hoje, a autorização judicial para mudar de sexo é quase impossível. As cirurgias são então feitas clandestinamente ou no exterior.
Uma das raras decisões favoráveis às cirurgias de mudança de sexo foi proferida pelo Tribunal de Alçada de São Paulo em 1979, absolvendo um cirurgião processado criminalmente por ter realizado operações de mudança de sexo.
Pelo acórdão, "não age dolosamente o médico que faz a ablação (remoção) de órgãos genitais de transexual, procurando curá-lo ou reduzir seu sofrimento físico ou mental. Semelhante cirurgia não é vedada pela lei, nem mesmo pelo Código de Ética Médica".

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