São Paulo, sábado, 16 de março de 1996
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Para brasileiro ver

RICARDO SEITENFUS

A política externa brasileira tem como prioridade afirmar a imagem de que nosso país, sobretudo o presidente da República, tem prestígio no exterior. Mas há uma larga distância entre o efetivo prestígio, que depende de indicadores nos quais o Brasil tem péssimo desempenho, e a manipulação de eventos diplomáticos que bem servem às aparências, porém são irrelevantes do ponto de vista do interesse público nacional.
Basta viajar ao exterior para sentir o que pensa o estrangeiro. Como a ampla maioria dos brasileiros jamais viverá tal experiência, as viagens presidenciais são fartamente utilizadas em âmbito interno.
A polida recepção que o exterior nos reserva, a mesma de todos os países democráticos com amplo mercado consumidor, transforma-se em especial honraria a Fernando Henrique.
A esfera pessoal obscurece a interrogação sobre o proveito exato da viagem para o Brasil. A atenção do país volta-se para o exterior. Com o governo sob um ângulo favorável, arrolam-se uma série de boas promessas para o futuro.
De outra parte, as viagens servem para premiar aliados e punir adversários. No caso do deputado Jair Soares (PFL-RS), coincidiram sua atuação na reforma da Previdência e o cancelamento do convite para viajar ao México. Aliás, será positivo para nossa imagem o sucessivo desfile de imensas comitivas, cujos integrantes muitas vezes nem sequer sabem o que estão fazendo lá?
No Japão o governo exercitou um velho hábito: divulgou como frutos da viagem empréstimos que já estavam acertados havia dez anos, para os quais faltava apenas a contrapartida brasileira.
Causa espécie ainda o número de deslocamentos ao exterior. Em certas circunstâncias o primeiro mandatário deve realizá-los. Como representante do Estado, nos momentos marcantes, essencialmente políticos, sua presença é valiosa para dar brilho a um ato excepcional, como a comemoração de grandes feitos históricos ou assinatura de tratados internacionais de caráter transcendente ao país. Visitas, somente a países com quem nosso relacionamento alcance extraordinária qualificação, a ponto de exigi-las. A multiplicação das viagens internacionais do presidente Cardoso banaliza sua presença. Em pouco mais de um ano de mandato já ausentou-se quase duas dezenas de vezes do Brasil.
Um desempenho pessoal e intelectual acima das médias históricas nacionais ou latino-americanas alimenta o mito. A imprensa internacional, contudo, o percebe como alguém que veio oferecer o mercado nacional com frases do tipo "quem chegar primeiro terá mais vantagens". A aparência do Brasil continua a ser a da ânsia por investimentos externos e empréstimos. A nossa dívida externa gigantesca mostra que sempre fomos competentes para atrair recursos. Mas, no caso de Fernando Henrique, o êxito é interno, com a mensagem: não façam oposição à minha política, pois ela é aprovada internacionalmente.
Apesar do desenvolvimento das comunicações, de nossas representações diplomáticas, das missões de técnicos e empresários, o presidente insiste no exterior. Torna corriqueiro o excepcional e cria a miragem: do exterior virão as soluções para combater as graves distorções sociais e regionais que desafiam o país.
Ilusão, pois nossos problemas impõem medidas não-virtuais, concretas, que atingem os interesses de seus aliados políticos e só podem ser tomadas aqui.

Ricardo Antônio Silva Seitenfus, 47, doutor em relações internacionais pelo Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais de Genebra (Suíça), é coordenador do mestrado em integração latino-americana da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e autor de "Uma História Diplomática do Brasil" (ed. Civilização Brasileira, 1995), entre outros livros.

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