São Paulo, domingo, 17 de março de 1996
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Silêncio forçado

JANIO DE FREITAS

Os militares estariam fora do noticiário há muito tempo, não fosse o comprometimento da Aeronáutica com o lobby presidencial para dar o Sivam à empresa Raytheon. O silêncio recordista não reflete, porém, a tranquilidade que dele se depreenderia. Embora não reflita o oposto.
O que reflete, então? A impossibilidade de refletir, porque o silêncio reinante é o da perplexidade. É o da perturbante situação de achar que se precisa fazer alguma coisa e não saber qual é.
Falta de verbas para atividades tidas por necessárias (o que não quer dizer que o sejam, se pensarmos em Forças Armadas menos antiquadas) e falta de solução para os vencimentos defasados fazem, por si sós, uma combinação de efeitos emocionais conhecidos. Fermentos vários da usina do governo, como os bilhões para salvar os Magalhães Pinto no caso Nacional, elevam a temperatura a níveis próximos da ebulição.
São os níveis em que começam, aqui e ali, questionamentos sobre a responsabilidade dos militares em tal ou qual situação, e coisas do gênero. Consta já haver atenções especiais, por parte de alguns comandos, diante da previsão de ocorrências políticas de origem militar, em um ou outro ponto de exaltação maior. Ocorrências à maneira das protagonizadas, anos atrás, pelos capitães bolsonaros -fatos mais para a piração, sem consequências graves, mas perturbadores e, nunca se sabe, às vezes prenunciadores. E nesta última possibilidade é que está o motivo para se dar atenção ao assunto.
Menos um
O deputado Michel Temer e os que dele se utilizam para tentar a reforma sem reforma da Previdência, como é desejo do governo, sustentam com razão a legalidade da aposentadoria por ele pedida, como procurador do Estado de São Paulo. Mas nada lhe devolverá a autoridade moral, esfacelada ao aceitar o papel de eliminador, para outros, daquilo que trata de obter às pressas para si.
Está aí um caso a lamentar. Michel Temer crescia no Congresso e aos olhos dos observadores que não trabalham para a cozinha do Planalto. Seguro, ponderado, sem exibicionismos, sem gestos servis, tinha um jeito que já não se encontra entre os políticos das novas safras entre o centro e a ponta direita. Podia ter ficado com sua "aposentadoria privilegiada" e votar, quanto a ela, como quisesse. Jamais, porém, tentar conciliá-la com a relatoria da falsa reforma.
Já que o Michel Temer de hoje não é o de ontem, bem que podia acabar com um privilégio absurdo -depois de usufruí-lo, é claro. Trata-se da contagem de um mesmo tempo para obtenção de suas aposentadorias. Na solicitada por Michel Temer, por exemplo, os 33 anos para a aposentadoria proporcional como procurador incluem os seus anos de deputado. Mas os mesmos anos são contados também para a deliciosa aposentadoria como parlamentar.
Por mais que Fernando Henrique o recompense mais tarde, como está previsto, Michel Temer perdeu mais do que ganhará.

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