São Paulo, domingo, 17 de março de 1996
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A culpa é da genética

GILBERTO DIMENSTEIN

Depois de investigar a infidelidade conjugal em 41 sociedades ao longo da história, Helen Fisher, ex-diretora do Museu de História Natural de Nova York, deu uma bofetada na moral religiosa, galgou a lista dos livros mais vendidos e inspirou polêmicos documentários de TV. Virou a antropóloga mais popular nos Estados Unidos -especialmente entre as mulheres.
Integrante do conceituado Departamento de Antropologia da Universidade de Reugter, Helen Fisher conclui que a monogamia é adversária da natureza dos mamíferos. Para ela, a infidelidade seria um "impulso genético", uma atitude tão natural como o coração bombear sangue pelo corpo.
Ela inovou ao incluir a mulher nesse "impulso genético", reservado até então, em ensaios antropológicos, apenas aos homens, que, ao procurar uma variedade de parceiras, estariam dando vazão a supostos instintos reprodutores.
"Durante muito tempo, homens e mulheres viveram em igualdade de condições, inclusive sexuais. Com a conquista de direitos das mulheres nos últimos anos, estão voltando ao comportamento primitivo", diz ela.
Fisher examinou sociedades na África e na Ásia em que mulheres exerceram o mesmo poder dos homens, livres da dominação econômica ou política: "As mulheres eram igualmente promíscuas".
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As idéias de Helen Fisher mostram, de um lado, a popularização da genética, e de outro, como a produção científica reflete os valores e as conquistas de uma sociedade.
A história da ciência é também a história dos valores e preconceitos de uma época. Se uma sociedade é racista, maior a possibilidade de produzir estudos, por mais absurdos que pareçam, "provando" a "inferioridade" dos negros, por exemplo.
"Até pouco tempo, não haveria espaço para esse tipo de idéias, como as de Helen, pois refletem a emancipação da mulher. As mulheres estão cada vez mais presentes nas universidades", analisa o antropólogo brasileiro Selmo Norte, que faz doutorado em genética na Universidade da Cidade de Nova York.
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Segundo Helen, a separação é também uma "tendência natural" dos casais. Ocorreria, em média, quatro anos depois da união, tempo suficiente para ultrapassar a primeira infância da "cria" do casal.
Quanto mais a sociedade aceita o divórcio como algo natural, maior seria a tendência à separação.
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Mais uma novidade a favor das mulheres na genética, embora seja péssima notícia para os românticos: o orgasmo feminino é inteligente, conclui Randhy Thornill, com base em experimentos publicados pelo "The British Medical Journal".
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Com base nos polêmicos princípios da biologia evolucionista (o comportamento humano é resultado da composição genética), Thornill sustenta que a função do orgasmo feminino nada tem a ver com o prazer. Seria uma forma de sucção para garantir a fecundação. Maior o orgasmo, maior a sucção, maiores as chances de fecundação.
A intensidade do orgasmo, portanto, não estaria vinculada aos laços emotivos entre o casal, mas a uma "instintiva" percepção feminina de que aquele seria um parceiro com melhor material genético.
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Para compensar, cito um estudo que valoriza a família, uma tendência cada vez mais forte na sociedade americana, apavorada com os efeitos da desestruturação familiar.
Edward Laumann, professor de sociologia da Universidade de Chicago, defende a tese de que o homem fiel tem vida sexual mais intensa.
Depois de realizar entrevistas (sigilosas, claro) conclui que o homem infiel gasta mais tempo planejando escapadas do que propriamente na atividade sexual.
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Em sua mais recente edição, a revista "US News & World Report" avalia, por meio de diversos critérios, as faculdades americanas. As melhores:
Direito: Yale, Harvard, Stanford.
Administração: Stanford, Massachusetts Institute of Technology (MIT), Pennsylvania.
Medicina: Harvard, Johns Hopkins, Yale.
Pedagogia: Harvard, Columbia, Stanford.
Engenharia: MIT, Stanford, Berkeley.
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A revista fez uma investigação diferenciada para os cursos de jornalismo, ouvindo também, além de acadêmicos, a opinião de profissionais. Columbia, em Nova York, ganhou em mídia impressa, televisão e rádio.
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Essas avaliações são feitas não apenas pela imprensa, mas por organizações independentes. Nos Estados Unidos, as universidades são competitivas. Mais prestígio significa mais doações, mais dinheiro para investir em melhores cursos.
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A partir das avaliações, a sociedade fica sabendo onde e como está gastando seu dinheiro -o que não ocorre ainda no Brasil. "O contribuinte brasileiro não sabe como as universidades gastam dinheiro. Aliás, eu também não sei", admite o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, em contato com esta coluna.
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Compreensível a reação contrária de segmentos das universidades, principalmente as privadas, ao teste para exame de aprendizado na graduação: vai demonstrar o despreparo dos alunos e, de quebra, a ineficiência dos cursos.
Bom aluno não tem receio de exame. Boa faculdade também não deveria ter.
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Li o documento da UNE sobre o teste das universidades que, segundo eles, é inspirado pelo "imperialismo" americano para dominar os países pobres. Confesso: há muito não lia uma estupidez tão grande.
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A posição da UNE levanta em mim a suspeita de que há pessoas voltando atrás na evolução biológica. Mais um absurdo desses -que só serve para afastar os estudantes inteligentes das pseudolideranças de babacas esquerdóides-, e eles estarão aptos a viver nas árvores.

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