São Paulo, segunda-feira, 18 de março de 1996
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A lei e a universidade

DARCY RIBEIRO

Estou muito contente com o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que o Senado aprovou e remeteu à Câmara dos Deputados. Ele dará base à lei que os educadores brasileiros pedem.
Uma lei que os liberte para experimentos pedagógicos, que amplie a escolaridade, que crie o magistério ainda mais qualificado, que permita formar profissionais mais competentes. Uma lei que case a educação com a experimentação científica e com a informática educacional.
Essa boa lei, muito boa também para as universidades, pode ser muito ruim. É boa porque permite criar universidades especializadas nas áreas da saúde, das engenharias e em outros ramos do saber, desobrigando-as de ter que ministrar cinco cursos profissionais diferentes.
É boa ainda porque abre às universidades a possibilidade de formar os mil tipos de profissionais que as sociedades modernas requerem, saindo da estreiteza dos currículos mínimos. É boa, sobretudo, porque permitirá a universidades especialmente credenciadas ministrar cursos de ensino à distância, que chamarão aos estudos superiores às muitíssimas pessoas que tiveram que interromper seus estudos e desejem a eles voltar.
Mas nossa lei pode ser muito ruim em razão de duas emendas nela impostas num acordo de lideranças. A primeira, assim redigida: "art. 51 - inciso II - Maioria de docentes em regime de tempo integral e com titulação em nível de especialização, mestrados e doutorado".
É um total absurdo incluir meros cursos de especialização entre os graus acadêmicos reconhecidos internacionalmente, que são: a graduação, o mestrado e o doutorado. Isso mataria a universidade brasileira, cujo único setor meritório é a pós-graduação, sujeita a controles criteriosos de implantação e de ensino.
Eles formaram e estão formando dezenas de milhares de mestres e doutores. As dissertações e teses por eles produzidas somam mais estudos sobre diversos campos do que toda a bibliografia anterior. Graças a eles estamos dando formação adequada ao magistério de nível superior.
O absurdo de colocar a especialização entre os graus acadêmicos desatrelaria nossas universidades do sistema universitário do resto do mundo. O propósito dessa emenda desastrosa é desobrigar o professorado das escolas privadas de completar o mestrado e o doutorado no prazo de 8 ou 16 anos, quer dizer, nunca.
A outra emenda é assim redigida: "art. 89 - parágrafo 2º - O prazo para que as universidades cumpram o disposto no inciso II do art. 51 é de oito anos ou até que o sistema de pós-graduação consiga oferecer condições para a formação em nível de mestrado e doutorado aos atuais ocupantes da função de docência".
Ela tem o mesmo objetivo que é desobrigar os professores de fazerem a pós-graduação. Esse seria um dever da Capes, que não teria cumprido sua obrigação de assegurar-lhes o mestrado ou o doutorado. Também um completo absurdo, tão treteiro como os antigos decretos que permitiam a todos os alunos passar de ano numa promoção automática.
Trata-se de um claro desafio à comunidade universitária brasileira. Ou conseguimos da Câmara dos Deputados a anulação dessas emendas ou elas condenarão o Brasil ao atraso, matando nossas equipes de professores e pesquisadores da pós-graduação e liquidando com seus laboratórios e centros de estudos.
Eles teriam se tornado fúteis porque inúteis para a formação do magistério e das novas gerações de cientistas.

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