São Paulo, terça-feira, 19 de março de 1996
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Utopia possível (se tiver aquilo roxo)

LUÍS PAULO ROSENBERG

Longe de ter a pretensão de propor uma reforma constitucional completa, o que se pratica aqui é um inocente exercício: como reduzir o setor público mantendo sua capacidade de ser instrumento da construção do país que almejamos, ou seja, sem jogar fora o bebê junto com a água do banho?
Promovendo-se a troca deste governo Opala a álcool, não por um Gurgel, mas por um Honda compacto. Enxuto, mas eficiente; pequeno, mas poderoso.
Tudo começaria com a reforma política. Voto distrital, para tornar a Câmara responsável por seus atos: a cada quatro anos, o deputado federal eleito por Copacabana, por exemplo, enfrentaria candidatos da oposição e seu próprio desempenho passado se quisesse reeleger-se.
No Judiciário, eleição de juízes é fundamental para expor ao sol da democracia esse poder, mantido sempre à sombra.
Promotores eleitos pelo povo seriam o melhor seguro contra a acomodação de maracutaias. E cadeia, muita cadeia, para delitos praticados no exercício de cargos públicos. Essencial: estabilidade de regras para a atuação econômica.
Depois, a reforma tributária. Conforme proposta de Augusto Jefferson, poucos impostos específicos, um sobre valor agregado e os de renda, sendo o imposto sobre o cheque usado como equivalente à retenção na fonte, com arrecadação compensada pelo imposto devido na própria agência bancária, inviabilizando-se, assim, a sonegação.
Dessa forma poderíamos, ao mesmo tempo, simplificar a arrecadação e aumentar a eficiência e a justiça do sistema.
No lado do gasto, privatizar a Previdência, limitando a ação governamental a bancar velhinhos abaixo da linha de miséria, à la Suplicy-Friedman.
Os demais aposentar-se-iam com os frutos das contribuições obrigatórias aos fundos de pensão de suas empresas ou associações de classe ou de suas contribuições voluntárias aos fundos suplementares.
Privatização geral, ampla e irrestrita das participações federais e estadualização ou fechamento dos programas remanescentes.
Assim, universidades, rodovias, hospitais, portos, casas populares, irrigação, armazenagem, enfim, todos os serviços federais passariam a ser prestados por Estados ou municípios, quando não privatizados.
Dessa forma, um quarto dos funcionários públicos federais de hoje já seria gente demais. Ora, perguntarão, o que sobraria para ser feito em Brasília?
Planejamento e coordenação, redistribuição pessoal e regional de renda e comando global da economia.
Na ação de planejamento estratégico, os focos seriam a coordenação do processo de desenvolvimento científico e tecnológico, a concepção e financiamento de uma política de desenvolvimento industrial, a implantação de instrumentos de redução da incerteza na agricultura, a criação de conselhos para integração das políticas estaduais de saúde, educação, transporte, saneamento, habitação etc. Na Ásia há experiência a se absorver nesse esforço.
Finalmente, na política econômica, força total a uma diretoria de Banco Central com mandato fixo; Receita Federal informatizada e com poder de cadeia sobre sonegadores; Orçamento transparente, superavitário e para valer.
Como regra de bolso para o economista no governo, todas as vezes em que um preço interno divergir muito do internacional, sejam juros, gasolina, Big Mac ou passagem de avião, deveríamos ter a humildade de buscar a equalização deles, em vez de cultivar a pretensão de rescrever a teoria econômica.

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