São Paulo, terça-feira, 19 de março de 1996
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Mentiras de pernas curtas

ALOYSIO BIONDI

O próprio governo incumbiu-se de desmascarar uma de suas inverdades sobre o escândalo do Nacional.
A "operação abafa" montada por Brasília vem se centrando nestes pontos: negar que os problemas fossem conhecidos há muito tempo; jogar a culpa dos escândalos nas costas da "fiscalização", inocentando-se assim a cúpula do governo.
Consequentemente, vende-se a idéia de que o "socorro" foi dado por ingenuidade, ou boa-fé. Em resumo "incompetência, sim; conivência, não".
Para reforçar essa versão, a "Operação Abafa", há poucas semanas, divulgou a tal história de que existiriam cerca de 700 contas fantasmas no Nacional, com empréstimos médios de R$ 8,5 milhões, totalizando R$ 5,5 bilhões de "rombo".
Tudo, tão meticulosamente detalhado, que cheirava a história "plantada" na imprensa para enganar a opinião pública.
E tudo absolutamente inverossímil, como esta coluna apontou: em plena era da informática, seria impossível que um programa de computador (da fiscalização) não acusasse a inexistência de R$ 5,5 bilhões, sobre um total de créditos de R$ 8 bilhões.
Quase 70% do valor retirado da listagem de contas do banco? Conversa.
Agora, no último domingo, em furo de reportagem, esta Folha noticiou que queixa-crime encaminhada pelo Banco Central informa que as fraudes das contas frias montam a R$ 2 bilhões, e não R$ 5,5 bilhões.
E como fica a história das 700 contas, do saldo médio de R$ 8,5 milhões, das quais foi distribuído até disquete à imprensa?
O novo número também pode ser falso, mas a "retificação" serve para mostrar a ousadia com que o governo vem manipulando a verdade.
Nesse sentido, as críticas desta coluna à venda do Nacional ao Unibanco têm sido honradas com elegantes contrapontos do confrade Luís Nassif, para quem a questão se explica pela falta de competência, ou mesmo inércia de "intelectuais" guindados a postos de governo.
Dizendo-se cansado das análises que, emocionalmente, vêem o mundo e a economia como palco de luta entre "o bem e o mal", Nassif pede objetividade, e condena hipóteses -como de conivência ou corrupção- a partir apenas de evidências.
Na medida em que os governos não divulgam documentos sobre suas operações como o mercado financeiro, só nos resta, aos jornalistas, garimpar arduamente as informações em busca de contradições, provas e evidências.
Mais cedo ou mais tarde, a verdade surge. Isto quando as "operações-abafa" são mal-sucedidas- graças à imprensa.
Sem anjos
Nem tudo se faz por conivência ou corrupção. Mas o experiente Nassif sabe que elas existem.
Em memorável coluna nesta Folha datada de 24 de fevereiro do ano passado, ele critica a "promiscuidade do BC com o setor privado", e se indigna porque "no ano passado, um banco recém-constituído, de economistas ligados ao PSDB, registrou lucro contábil de US$ 50 milhões".
Subestimado, pois "mesmo entre as hostes tucanas estima-se que o lucro real tenha sido de US$ 120 milhões".
Moralismo
Ressalva: a corrupção no varejo, para enriquecimento pessoal, provoca revolta. Mas a verdadeira causa da crise brasileira são as "alianças" entre governantes e grupos de pressão, beneficiados por privilégios que lhes rendem bilhões às custas da população.
O objetivo dos governantes não é enriquecer mas ganhar a confiança e manter o apoio político dessa parcela das elites.
Intelectuais
É demasiado generalizante a crítica aos "intelectuais", que não teriam, segundo Nassif, "disposição para agir". Crucifica os "intelectuais" e, por oposição, enaltece os "homens práticos".
Intelectuais que chegaram ao poder são uma forte decepção, sim. Exatamente porque ficaram "práticos".
Mais mentira
O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal participaram com alguns bilhões no "socorro" ao Nacional.
O presidente do Banco Central, no Congresso, negou que tenha havido ordens do governo nesse sentido, atribuindo a iniciativa aos próprios diretores das instituições. Os jornais de 31 de outubro e 1º de novembro do ano passado mostram que isso não é verdade.
Perguntinha
Quando é que o governo vai divulgar relatório com detalhes sobre o dinheiro entregue ao Nacional e ao Unibanco? Afinal, lá se foram quatro meses...

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