São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 1996
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Bomba-relógio

ANDRÉ LAHÓZ

Os evidentes sucessos do Real no combate à inflação estão escondendo a extrema fragilidade da situação econômica do país.
O desequilíbrio das contas públicas e a confusão em torno do Congresso mostram que o governo está apenas ganhando tempo e que a inabalável força do Real pode estar, afinal, em risco.
A estabilização da moeda tem duas fases definidas. A primeira consiste em derrubar as altas taxas inflacionárias. É uma tarefa fácil, como os diversos planos no Brasil já demonstraram.
Foi só isso que foi feito até agora pelo governo FHC. A vitória sobre os preços trouxe algumas consequências: no campo econômico, a volta do crédito e o fim do imposto inflacionário deram forte impulso à economia brasileira.
No campo político, deram a vitória ao atual presidente Fernando Henrique Cardoso.
Mas, passado o impulso inicial, começa a segunda fase -muito mais penosa- do plano de estabilização, na qual se constroem bases sólidas para o crescimento sustentado. E aqui muito pouco se avançou.
Quando se fala em bases sólidas, entende-se, basicamente, um regime fiscal equilibrado, a redução do "custo Brasil", uma alocação mais racional de recursos na economia, um sistema financeiro saudável etc.
Ou seja, tudo o que está relacionado com as reformas estruturais da economia.
No campo fiscal, as notícias não poderiam ser piores. Após anos de relativo equilíbrio fiscal, obtidos por meio de calotes da recessão do governo Collor e da inflação, a situação se inverteu totalmente. O resultado foi um déficit público operacional de 4,95% em 95.
Vários fatores explicam o déficit. O principal deles é a conta de juros.
A política de juros altos tem uma lógica absurda: induz a entrada de dólares, que têm que ser esterilizados por meio da venda de títulos públicos, que custam caro porque os juros estão altos.
Para mudar a situação, o primeiro passo é a redução da taxa de juros. Mas isso não garante o equilíbrio fiscal, pois há outras pressões, como o custo crescente do funcionalismo público e o desequilíbrio de vários Estados.
Do ponto de vista das reformas, é inegável a mudança estrutural na economia privada brasileira dos últimos anos. Mas ela tem muito pouco a ver com o governo FHC.
Na verdade, começou ainda nos anos 80 e ganhou fôlego no governo Collor. O governo atual avançou nas reformas econômicas, mas o resultado é ainda pequeno e demora para gerar dividendos econômicos.
O resultado é simples: a estabilização dos preços tem bases muito frágeis.
Os enormes sucessos do Real até agora têm muito mais a ver com a primeira fase do plano -a da euforia- e com ganhos de competitividade obtidos nos últimos anos.
O problema é que as fases de euforia costumam obscurecer os problemas -ainda mais em um ano de eleição.
A tendência é achar que é possível empurrar os desequilíbrios com a barriga.
Como a inflação certamente se manterá baixa por mais um tempo, o governo será tentado a continuar colhendo os frutos da primeira fase do Real.
E, assim, sepultará de vez o único plano de estabilização com chances reais de sucesso.

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