São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 1996
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LÓGICA PERVERSA

São de fato preocupantes as declarações do ministro Sérgio Motta (Comunicações) de que o presidente Fernando Henrique Cardoso teme uma volta do autoritarismo no caso de o Plano Real fracassar. A afirmação de Motta é preocupante, não pelo fato de haver um risco qualquer para a democracia, que no momento é praticamente nulo, mas porque revela ela própria um autoritarismo incompatível com a biografia de FHC.
A lógica que subjaz ao raciocínio atribuído ao presidente da República é perversa: ou bem todos estão de pleno acordo com os atos do governo em defesa do Real (ou seja, todos os atos e também propostas do Planalto) ou então são, em última análise, contra a própria democracia.
É como se o conceito de democracia não transcendesse, e em muito, a um mandato presidencial, que não se pode de maneira nenhuma confundir com a noção de Estado. É como se a democracia não tolerasse oposições, idéias divergentes e propostas alternativas. É enfim um grande absurdo.
Quando um fino sociólogo como FHC tolera que um de seus mais íntimos assessores profira uma tal tolice e, pior, a ele a atribua, dá lugar a que os menos avisados possam acreditar que de fato o presidente pensa assim, em completa contradição, portanto, com todo o seu passado.
É bom que fique definitivamente claro que nenhum governo do mundo tem o monopólio da verdade revelada. Toda oposição democrática é legítima. O Parlamento, por pior que possa ser considerado num dado momento, é alicerce fundamental de um Estado de Direito. Todos os regimes que pensaram de outra forma cedo ou tarde pereceram.

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