São Paulo, quinta-feira, 21 de março de 1996
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Pessimismo, modo de usar

OTAVIO FRIAS FILHO

A CPI dos bancos é sintoma de um conflito que não vai dar para enterrar. De um lado há o interesse da transparência, de se averiguarem irregularidades e saber o que foi feito com dinheiro público. De outro, há a segurança do sistema financeiro, que poderia ser comprometida com a enxurrada inevitável de suspeitas e acusações.
O que está em choque não é tanto o interesse público contra o particular, mas duas formas de interesse público: o político contra o econômico, o da democracia contra o do mercado. Deveria prevalecer o primeiro, por ser mais geral. Mas o esvaziamento do Estado torna esse tipo de confronto cada vez mais agudo e frequente.
Com o fim do debate ideológico, a ação dos governos passou a ser basicamente técnica. Os centros de decisão se deslocam para fora dos Estados e das nações, a política se privatiza, os governantes se comportam como empresários. A "democracia" do mercado começa a impor seus métodos e valores à democracia republicana.
Em países sem tradição democrática, China e Peru, por exemplo, o governo atua ditatorialmente, como qualquer empresa. A contradição fica adiada até que a liberdade econômica gere, por acumulação, uma pressão democrática como a da revolta em Pequim, sob o símbolo da Estátua da Liberdade, emblema ambíguo da democracia e do capitalismo.
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Antigamente, as pessoas que pensavam diferente eram acusadas de comunistas. Agora o certo é dizer: "Aquele lá, sei não, vai ver é pessimista". O "pessimismo" virou um anátema terrível, um círculo de suspeição, distância e lástima em torno da vítima. Há um macartismo esfuziante, uma verdadeira indústria do antipessimismo.
Parece jogo de palavras, mas não é: o verdadeiro otimista, no entanto, é o pessimista. Se ele acha tudo "péssimo" é porque tem em mente que tudo poderia ser "ótimo", ou pelo menos melhor. Seu otimismo é tal que ele se defende da ciclotimia entre ilusão e decepção fazendo-se cauteloso, ou seja, "pessimista".
O máximo do otimismo, por outro lado, é o cristão na arena romana, feliz da vida porque está prestes a sair desta para melhor. A dúvida e a reflexão levam sempre ao "pessimismo". É a certeza (quanto mais estreita e cega, melhor) que faz o otimista, esse joguete do inevitável.

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