São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Os abridores dos cofres

JANIO DE FREITAS

Exceto a Folha, que mencionou em subtítulo de sua principal manchete a prática do "é dando que se recebe", todas as primeiras páginas da chamada grande imprensa foram louvatoriamente higiênicas. Mas a notícia inconveniente não foi omitida. Foi apenas despachada para espaços menos expostos. É divertido revisitar as manchetes de primeira e os títulos internos do mesmo assunto, na sexta-feira:
Manchete do "Jornal do Brasil": "Governo vence na Previdência e faz CPI durar apenas 5 horas". Na pág. 3: "O vale-tudo do governo -líderes passam o tempo todo no telefone, exercendo a política do 'é dando que se recebe', para reverter os votos de rebeldes".
Manchete do "Correio Braziliense": "Governo ganha tudo no Congresso". Na pág. 5: "FHC abre os cofres para vencer no Congresso".
Manchete do "Globo": "FH derrota Sarney, enterra CPI e vence na Previdência". Na pág. 4: "Governo abriu cofre e ganhou. Líder na Câmara festeja: somos profissionais".
Manchete do "Estado de S.Paulo": "Duas vitórias de FH -CPI cai, Previdência passa". Na pág. 5, lá embaixo: "Custo para o Tesouro será elevado".
Manchete da Folha: "FHC aprova Previdência e sufoca CPI". Na pág. 7: "Governo investe tudo para mudar votos no Congresso". Dos verbos recatados das primeiras páginas -vence, ganha, derrota, aprova-, as páginas internas passam para os fatos nas expressões mais adequadas -abre os cofres, investe tudo, vale-tudo. Enquanto os verbos retratam procedimentos e resultados normais e legítimos, as expressões refletem uso imoral dos poderes de governo. Informam sobre o uso de métodos corruptores para comprar votos de parlamentares corrompíveis.
O que a chamada grande imprensa noticiou em suas páginas mais verazes, portanto, tem o nome de corrupção. Este foi o nome por ela empregado quando Sarney agiu, para impor sua vontade ao Congresso, pelo mesmo método agora utilizado por Fernando Henrique. Mesmo a fórmula verbal surgida para denominar a corrupção política praticada por Sarney, "é dando que se recebe", está presente em títulos e textos referentes à ação de Fernando Henrique no Congresso.
Da imprensa e de jornalistas brasileiros não se deve cobrar coerência. Mas isso não impede a coerência dos fatos. E, por ela, quem ontem definiu as práticas de Sarney e o próprio Sarney, hoje, queira dizê-lo ou não, define as práticas iguais de Fernando Henrique e o próprio Fernando Henrique.

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