São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Por favor

MARCELO LEITE

Foram necessários quase dois anos de juros "escorchantes" e de asfixia empresarial para se romper o consenso modernoso do governo FHC, fabricado com ajuda decisiva da imprensa. O noticiário da semana que passou sobre a CPI dos Bancos e a Previdência sugere que acabou. Antes tarde do que nunca.
A cabeça-de-ponte da crítica foi lançada pela Folha, com sua manchete de quinta-feira: "FHC troca favores pelo fim da CPI". Na foto que a acompanhava, o presidente da República ria na companhia de Paulo Maluf, que na véspera tinha pedido cadeia para o presidente do Banco Central.
No dia seguinte, anteontem, a fisiologia à tucana estava em todos os jornais, com maior ou menor destaque. A Folha ditou o ritmo, como em outros carnavais. Muita gente sambou a contragosto.
A batida inesperada pode não ter grande consequência, num país em que escândalos se sucedem como dias na folhinha. Pode também marcar a retomada decidida da função básica da imprensa livre: vigiar. E isso não tem nada a ver com bandear-se para a oposição, como prefeririam alguns leitores.
Na briga
Na edição de sexta-feira, o único defeito notável na cobertura da Folha foi o pequeno destaque dado para o maior derrotado, José Sarney. Mesmo apontado como principal atropelado pelo trator henriquista, em quadro na pág. 1-7, o ex-presidente só aparecia na metade inferior de uma página par (1-10).
O título ainda lhe reconhecia algum cacife: "Sarney aposta em uma outra CPI do sistema financeiro". O texto, porém, descrevia-o como "abatido".
Na sua coluna da pág. 1-2, com o sugestivo título de "Poder e briga", o presidente do Congresso apresentou-se como paladino institucional: "Maldito o dia em que tivermos de brigar pela existência do Poder Legislativo". Mas isso já é outra história, ficção de má qualidade, para a qual Sarney tem encontrado co-autores na própria imprensa.
Fujimorização
Não faltaram colunistas, nas últimas semanas, lançando suspeita de inclinações autoritárias no governo federal e no presidente da República. Fernando Henrique Cardoso tem lá seus momentos imperiais, mas são sobretudo lapsos de língua, dos quais logo se arrepende. É exagero pintá-lo como candidato a ditador, capaz de fechar o Congresso e o Supremo.
A Folha também levou água a esse moinho desconjuntado, que produz pouca farinha para muitos sacos. Na última terça-feira, inchou a quota do ministro das Comunicações dedicando-lhe uma manchete: "Motta vê ameaça de autoritarismo". No dia seguinte, veio a tradicional "repercussão". Com vários graus de veemência, o ministro foi desancado por todos, correligionários e desafetos.
A ameaça não durou mais que 48 horas. Assim como veio, a declaração do ministro "muy amigo" se perdeu. Suas palavras não continham a força irresistível das profecias: "Se houver volta da inflação ou recessão, a democracia estará ameaçada porque ninguém suportará a decepção".
O autoritarismo não está no futuro, como quer Motta, mas no presente. Habita o núcleo de sua declaração e da razão tucana, que identifica estabilidade econômica com estabilidade política. Como a premissa é falsa, sua truculência revela-se meramente discursiva e eficaz de modo apenas transitório, na tentativa de amordaçar toda crítica.
Para reagir a isso existem os jornais, está aí a imprensa.
Ajoelhou, tem de rezar
Na semana passada, anunciei que o jornal iria publicar reportagem na terça-feira (19/3) corrigindo-se pela omissão de ponto fundamental da nota da CNBB sobre terras da Igreja Católica e reforma agrária. Não foi bem isso que o leitor encontrou na pág. 1-6.
Em primeiro lugar, o texto "CNBB diz que não possui dados para quantificar propriedades" omite a omissão anterior da Folha. Reincide, assim, no erro.
Depois, inverte papéis ao cobrar da igreja que comprove sua negativa. Partiu do jornal a afirmação questionável de que os 330 mil hectares registrados para instituições religiosas são propriedade católica. Não pode provar, portanto errou, mas não cumpriu a penitência do "Novo Manual da Redação": "A Folha retifica, sem eufemismos, os erros que comete" (pág. 72).
Para dar este caso por encerrado, torno pública observação da crítica interna da edição: "A Folha está se especializando em só reconhecer erros menores. A admissão de omissões graves, que podem ser entendidas como manipulação (...), são evitadas com contorcionismos (...). O jornal nunca comete grandes erros?"

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